Cabrobó, PE (AE) – Índios, católicos, evangélicos, agricultores, artistas populares e representantes de movimentos sociais de todos os Estados nordestinos solidarizaram-se hoje com o frei Luiz Flávio Cappio, no dia do aniversário de 59 anos dele, mesma data dedicada ao Rio São Francisco e à morte de São Francisco de Assis. Frei Luiz, bispo da Diocese de Barra (BA), está em greve de fome há dez dias pela revogação do projeto do governo federal de transposição do rio.
Os fiéis e simpatizantes começaram a se concentrar, às 4h30, na praça da Igreja Matriz, centro de Cabrobó (PE). Em procissão, fazendo orações e carregando faixas de apoio a ele, os manifestantes seguiram até a Capela São Sebastião, localizada a quatro quilômetros da cidade, no Sítio Bela Vista, onde frei Luiz se instalou, disposto a levar até o fim o sacrifício, iniciado dia 26. Lá, o frei passou três horas – das 7 às 10 horas – atendendo aos visitantes, que, em fila indiana, aguardavam a vez de entrar na capela para receber a bênção. Em seguida, frei Luiz celebrou uma missa, ao lado do presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), d. Tomás Balduíno, e, por volta das 15h30, recomeçou a recepção aos visitantes. A Polícia Militar estimou um público de 2.500 pessoas. A maior parte veio do Sergipe e Bahia – Estados que não seriam beneficiados pela transposição -, mas todos as nove unidades da Federação nordestinas estavam representadas.
"Estou aqui porque um ato como este não se vê fácil; ele está doando-se aos outros", disse a simpatizante Maria Doralice dos Santos, de 59 anos, que mora em Salgueiro, a 75 quilômetros de Cabrobó. "A gente não merece tanto." Para Maria Doralice, frei Luiz não é um cidadão comum e "o presidente (Lula) tem de ter piedade". Os índios das tribos truká, xucuru e tumbalalá expressaram o apoio, dançando toré. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) foi mais radical na solidariedade e decidiu, de forma coletiva, aderir à greve de fome. Ofereceram-se como voluntários quatro integrantes: José Santana Monte, 58 anos, de Iço (CE), José Hélio Ferreira da Silva, de 21, de Palmeira dos Índios (AL), Maria Isabel da Silva, de 24, de Monte Alegre (SE), e Romualdo Pessoa, de 21, de Areia (PB). Pessoa falou pelo grupo: "Precisamos defender a vida." Ele afirmou que a intenção é ir "até o limite de cada um". Monte, Ferreira da Silva, Maria Isabel e Pessoa foram abençoados pelo frei. O MPA destacou que os voluntários são de Estados "doadores" (Sergipe e Alagoas) e "beneficiários" da transposição, o que mostraria que não há uma desarmonia entre os nordestinos. "Na hora que o rio morrer, não vai ter água para ninguém", lembrou a moradora Maria Áurea de Menezes, de 64 anos, de Cabrobó.
Para Aldemir Pinheiro, de 47 anos, casado, seis filhos, frei Luiz é "uma proteção para toda a região". Faixas qualificavam-no como "o anjo da guarda do Rio São Francisco" e defensor dos povos ribeirinhos, a exemplo de Edilene Marques Barreto, de 32 anos, de Santana do São Francisco (SE), que teme que o rio seque. "Se o bispo morrer e o rio secar, acabou-se tudo", complementou a ex-agricultora Maria Teodora Alexandre, de 72 anos, dez filhos – metade deles espalhada por São Paulo e Maceió.
A atenção do povo à celebração só foi quebrada pelo helicóptero trazendo o governador do Sergipe, João Alves (PFL), e os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e José Sarney Filho (PV-MA). Era um momento da comunhão e Gabeira e Sarney Filho subiram no palanque armado para a celebração da Eucaristia.
Uma ambulância da prefeitura de Cabrobó manteve-se no local e, até à tarde, socorreu duas indígenas que tiveram pressão alta. Elas foram atendidas no hospital local. Água era distribuída com os presentes e, patrocinadas por Alves, cerca de 2 mil embalagens com alimentos foram fornecidas por dois restaurantes do município aos manifestantes. O governo do Sergipe foi responsável também pelos ônibus que levaram mais de mil sergipanos de 27 cidades.
Nas ruas de Cabrobó, o Clube de Diretores-Lojistas (CDL) e a administração municipal – o prefeito Eudes Caldas (PTB) apóia a proposta de transposição – contrapunham-se à luta do frei. "A transposição abastecerá 12 milhões de nordestinos", afirmava uma das faixas. A expectativa com a transposição é de crescimento econômico do município, ponto de captação das águas do São Francisco.