O mês de agosto de 2009 trouxe uma importante inovação nas relações entre os entes privados e o Estado brasileiro. Estamos tratando da nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), que traz disposições de Direito Processual e, portanto, terá efeito imediato sobre os processos em curso no país.
Além disso, tem dispositivos de grande impacto na eficiência dos direitos materiais dos cidadãos e empresas contra a atuação abusiva de servidores públicos que representam e agem em nome do Estado.
Em uma sociedade a cada dia mais regulada e com um Estado cada vez mais inchado, é fundamental ter ciência dos efeitos que esta nova lei traz para o cotidiano das relações público-privadas.
Conforme a nova lei, “não cabe mandado de segurança contra atos de gestão comercial” em empresas públicas, sociedades de economia mista ou concessionárias de serviço público.
A jurisprudência já vinha entendendo que certos atos relacionados à operação destas pessoas jurídicas não poderiam ser desafiados por mandado de segurança, pois não se tratava de atos de império ou praticados em exercício de função delegada. E, portanto, dentro do regime privado que deve se aplicar a tais empresas.
Contudo, tais decisões eram muitas vezes decorrentes da necessidade de manutenção da viabilidade destas pessoas jurídicas, como, por exemplo, para evitar a enxurrada de mandados de segurança contra cortes de água, luz, gás, e não da fundamentação explicitada nas decisões judiciais. Vínhamos presenciando a maleabilidade nos critérios de cabimento do mandado de segurança, dosada pelo Judiciário, conforme as demandas da realidade.
As compras realizadas pelas sociedades de economia mista e empresas públicas são regulamentadas pela Lei de Licitações, ou no mínimo por seus princípios, e a jurisprudência vem reiteradamente entendendo que contra atos ilegais nestes procedimentos de compras cabe, sim, o mandado de segurança (STJ – Súmula 333). Isso tem sido fundamental para a efetividade dos dispositivos da Lei de Licitações.
Serão de extrema importância os primeiros julgamentos que darão a dimensão do conceito de atos de gestão comercial, uma vez que ele pode englobar também os atos de compra. Isso porque em princípio a atividade comercial abrange a compra e a venda de produtos e serviços.
Além deste aspecto o tratamento que a nova lei deu para a concessão de liminares é claramente prejudicial, ao possibilitar que o juiz demande caução e restrinja a concessão da liminar “que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza”.
Vale salientar que a restrição se aplica também para liminares em antecipação de tutela em outras ações judiciais além dos Mandados de Segurança. Note-se que o dispositivo visa prorrogar os efeitos ilegais de atos coatores para o longínquo futuro de seu julgamento, mesmo que o juiz da causa já preliminarmente os entenda abusivos e prejudiciais a efetividade do final julgamento do processo.
Ou seja, tributos podem ter ilegalmente vedada a sua compensação, importações podem ficar paradas por motivos abusivos e por greves; servidores públicos podem ser subrremunerados em afronta à lei; aumentos, vantagens e até pagamentos previstos em leis e contratos poderão ser postergados por décadas.
E a atual demora nos julgamentos dos mandados de segurança não vai mudar porque a Lei 12.016/2009 prevê prioridade de julgamento para estes; esta determinação já existe desde a Lei 1.533/1951.
E a situação só vem se agravando com o passar dos anos. Inclusive porque quando as ações tramitarem em varas especializadas a medida terá pouco impacto.
Nas demais varas, se fosse cumprida, os outros processos jamais seriam julgados. Por acaso, os litigantes com mais de 65 anos que já gozam de preferência estão vendo seus processos serem solucionados em tempo razoável?
Do ponto de vista político, são claros os efeitos da reforma: jogar para os próximos governantes a herança maldita das ilegalidades cometidas pela máquina pública, com a aprovação dos lideres do Poder Executivo.
A limitação é evidentemente inconstitucional, já que o mandado de segurança é previsto em nossa Carta Magna não podendo, portanto, ter sua eficácia diminuída por norma de hierarquia inferior.
Esperamos que os tribunais assim o entendam, retificando os equívocos do sistema político que aprovou o amortecimento dos direitos dos cidadãos brasileiros de maneira a privar-nos de meios eficazes de defesa contra abusos do Estado.
É fundamental que o Poder Judiciário se posicione ao lado do cidadão neste momento, rechaçando estes dispositivos que restringem a eficácia da atuação da Justiça contra os atos coatores, para que não tenhamos direitos apenas para brasileiro ver…
Rodrigo Alberto Correia da Silva é advogado, mestre em Direito pela PUCSP e autor do livro “Regulamentação Econômica da Saúde”.
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