Manda bala

É evidente que quando falam mal da nossa pátria corre um frio em nossas espinhas, nos eriçamos e a vontade é reagir. Reagir não contra os males que nos atribuem, mas para negá-los ou pelo menos negar a quem nos acusa o direito de caluniar, injuriar ou difamar nosso País. Esses ataques tanto mais nos revoltam quando feitos por estrangeiros e principalmente se no exterior. Dá-nos a impressão de ingerência indébita em assuntos internos do nosso País, nem que se refiram a males que aqui efetivamente acontecem. Há dias estamos passando por mais uma dessas crises de revolta contra esse tipo de ingerência externa.

No Festival de Cinema Sundance, em Utah, nos Estados Unidos da América, apresentaram um Brasil ?violento e corrupto?. Esse festival é realizado todos os anos, no mês de janeiro, e é uma vitrine para o cinema independente americano. É organizado pela Fundação Sundance, criada pelo ator Robert Redford em 1981.

Em sua última e recentíssima versão, o prêmio do júri de melhor documentário coube a um filme americano sobre corrupção e seqüestros no Brasil.

A gente primeiro questiona o direito deles, os ?gringos?, de apresentar um trabalho cinematográfico sobre a nossa ?corrupção e seqüestros? que, se existe, é patrimônio nacional e não admite interferências estrangeiras. Alguns mais ingênuos indagarão se efetivamente aqui existe corrupção e seqüestros, pois os que vemos diariamente nos noticiários, nas cidades distantes, nas nossas, nas ruas e não raro em nossas próprias casas, preferiríamos que sejam frutos da fértil imaginação latino-americana.

O documentário premiado, denominado Manda bala, foi dirigido pelo cineasta Jason Kohn. Foi premiado também pela fotografia, esta da cineasta paranaense Heloísa Passos. Nele o Brasil é mostrado como ?um dos países mais violentos e corruptos do mundo?, o que as estatísticas confirmam, mas o nosso patriotismo rejeita.

O filme fala de ?um político que usa uma fazenda de rãs para roubar bilhões de dólares, um milionário que investe uma pequena fortuna para blindar seus carros e um cirurgião plástico que constrói as orelhas de vítimas de seqüestro mutiladas?. Esse roteiro tem pelo menos uma imperfeição. Nunca se provou que algum cirurgião plástico tenha, no Brasil, reconstruído orelhas de vítimas de seqüestro. Demonstrou-se, isto sim, que seqüestradores têm o mau costume de arrancar orelhas de seqüestrados para provar que os têm em seu poder. E presume-se que, se soltos vivos, possam usar a cirurgia plástica, no Brasil reconhecidamente adiantada, para a sua reconstituição. No mais, essa história de fazenda de rãs e ainda com dinheiro emprestado por banco oficial a políticos e familiares não nos é estranha. E milionários que investem fortunas para blindar seus carros não é impossível. É mais que provável. É certo e comprovado.

O que talvez devamos reclamar é o direito autoral. Não do filme, mas da corrupção e dos seqüestros que efetivamente aqui acontecem e servem de roteiro para uma película estrangeira. Talvez nos console o fato de que seqüestros e corrupção existam em praticamente todo o mundo, nuns países mais, noutros menos. É uma questão numérica. Aqui, acontecem mais.

A corrupção, por exemplo, é comum até nos Estados Unidos, com uma ligeira diferença. Lá ela é mais freqüente nas empresas privadas. Aqui, nos governos e nas empresas públicas. Seqüestros acontecem em grande quantidade, por exemplo, no sul da Itália, um dos países europeus tidos e havidos como desenvolvidos. Verdade que no Brasil o seqüestro é diário, freqüente, quase um crime vulgar. De qualquer forma, aqui fica o nosso protesto por essa ingerência indébita em nossas maldades. A corrupção e os seqüestros são nossos ?e ninguém tasca?.

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