Um dos momentos mais difíceis do trabalho com a leitura é quando surge a necessidade de indicar um livro para alguém. Trata-se de operação de alto risco: que leitor é esse que dirige o olhar súplice em nossa direção? De que espaços de leituras anteriores ele vem? Que desejos traz em sua vontade de ler? Para que destino apontará a leitura a ser feita?
A indicação vem acolchoada com frases de receios e cuidados: ?não sei se você vai gostar?, ?talvez seja o livro que você procura?, ?é difícil acertar na primeira indicação?, ?posso estar enganado, mas deste livro você poderá gostar? e por aí afora.
Acredito que livros sejam um bom presente: mas conheço minha indecisão, o frio na boca do estômago quando peço ao balconista que embrulhe este ou aquele volume para presente. Saio da livraria com a sensação de que o livro poderia (e deveria) ser outro. A angústia com que sigo as mãos e olhar do presenteado ao abrir o pacote. O suspense que antecede a leitura do título. Mesmo que a demonstração seja de acerto e apreço pelo volume, guardo no canto mais escondido do dentro de mim a quase certeza de que a alegria do recebimento é mais uma face do código de bem receber o presente dado por uma amiga.
Se essas reações se dão numa situação de sociabilidade, imagine, leitor, o drama de indicar livros para multiplicadores de leitura, como são (ou deveriam ser) os professores. As listas de livros de literatura infantil são objetos de desejo de quem pretende se atualizar, e rapidamente, sobre a produção editorial recente. Resultam da triagem de centenas de títulos mensais; é tarefa hercúlea, equivalente a todos os 12 trabalhos de Hércules. Somam ingredientes diversos como conhecimento, sensibilidade, experiência, projeções e boa dose de sorte. Com esta última, as demais qualidades podem (e devem) dar certo.
Para o pré-leitor, imagens visuais, movimento, cores: Bichos e gente pequena em texto curtíssimo – ou ausente, a magia do desenho soterrando o texto. Tente Ângela Lago e Eva Furnari. Para o leitor que aumentou altura e conhecimento do mundo e do alfabeto, o texto curto contando histórias de crianças, bichos, objetos e seres esquisitos. Lembre de Ziraldo e José Paulo Paes. Para que meninos e meninas aprendam a lidar com imaginário e realidade, inunde a casa e a biblioteca com fadas e duendes, problemas do bairro, afetos e receios. Não hesite entre Mário Quintana, Ana Maria Machado, Roger Melo, Ricardo Azevedo. Escolha todos, leia todos.
Se os leitores começarem a ganhar peso e músculos, e o olho de leitura começar a ficar maior do que a barriga, leve-os a uma biblioteca: solte as asas e as mãos do menino e da menina, baixe a guarda e a altura das estantes. Que eles passeiem e se sirvam. Os nomes ali dispostos são mais numerosos que as páginas do livro didático. A diferença é que esses números maiores quantificam estrelas, pedras, sonhos, temores, vitórias, amores, tristezas, tempos e memórias, aquis e acolás, opacidades, águas e montanhas. E tudo o mais. A lista agora é o leitor que faz (e deveria).