Mais cultura, mais cidadania

O programa Mais Cultura, chamado também de ?PAC Cultural?, lançado pelo governo federal em outubro, é um marco na história das políticas culturais do País.

Ao situar as políticas públicas de cultura numa perspectiva de centralidade com relação à agenda de Estado, o programa estabelece um novo patamar de relacionamento tanto para os gestores públicos quanto para os setores culturais ligados à sociedade civil. O investimento destinado à sua execução, R$ 4,7 bilhões, até 2010, visa à articulação de várias políticas públicas de caráter transversal – incluindo as políticas sociais ligadas a temas como fome, meio ambiente, saúde, educação, mulheres, jovens, idosos, indígenas e afrodescendentes -, compreendendo o conjunto da sociedade brasileira como protagonista de um processo de democratização do acesso a bens, processos e instituições culturais, para além de um mero estímulo ao campo da produção de cultura. É o momento no qual o Estado, assumindo seu papel de indutor de dinâmicas – nesse caso, de dinâmicas culturais – poderá fazer a diferença na lógica excludente até então imposta.

O programa Mais Cultura é uma iniciativa que assume caráter estratégico nos rumos traçados pelo presidente Lula para o desenvolvimento do País, pois representa a oportunidade de se equilibrar a produção cultural com o estabelecimento de um círculo virtuoso de infra-estruturas culturais. Pretende-se, com essa iniciativa, contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população por meio do acesso a cultura e, especialmente, criar uma sinergia entre o Estado e a sociedade.

O efeito concentrador de renda causado por um crescimento econômico desvinculado do desenvolvimento social está historicamente demonstrado; pode-se dizer de outra forma, que a falta de ampliação do acesso das diversas camadas da população às políticas públicas sociais produz um crescimento sem alma.

As políticas sociais e culturais precisam ser tratadas em conjunto; o desenvolvimento econômico deve estar intimamente associado ao desenvolvimento social. Esse binômio, adequadamente articulado, está presente nas nações com maior Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, países onde o direito ao trabalho está diretamente ligado ao direito à educação, à cultura, à saúde e ao bem-estar social.

A cultura pode ser pensada como fator de ampliação do setor de serviços, de melhoria da qualidade de vida do cidadão e de desenvolvimento regional e municipal e, ainda, como valor afetivo e de identidade, como fonte de emprego e renda, força dinamizadora e inovadora da criação, produtora de riqueza e difusora da imagem da cidade, da região, do País. Se não for possível traduzir esse enfoque em planos estratégicos para as cidades na área da cultura, corre-se o risco de dispersar energia, dinheiro e investimentos. Não se pode mais considerar somente o ponto de vista da fruição cultural; o investimento na cultura tem que estar ligado a uma estratégia forte de desenvolvimento local.

O sucesso do programa Mais Cultura está condicionado à sua sustentabilidade social, ou seja, implica na necessidade de sua conjugação com um programa de ampliação da cidadania, com a construção de uma relação mais ampla e democrática com a sociedade brasileira.

Como indica Jesus Martín-Barbero, intelectual espanhol: ?Fazer um país é mais que possibilitar que aquilo que se produz em uma região possa chegar às outras, que o que se produz em outra região chegue aos portos para ser exportado. Fazer um país é também projeto político e cultural?.

Para isso, as políticas públicas sociais devem ser devidamente valorizadas, inseridas no campo dos direitos sociais básicos e, ao mesmo tempo, reconhecidas como importante vetor do desenvolvimento econômico e da inclusão social. Política social é, portanto, área estratégica para o desenvolvimento do País.

O programa Mais Cultura não significa a estatização da cultura; é, por outro lado, a possibilidade real de construção de uma nova maneira de abordar a questão cultural. Cientes de que não há solução mágica, ultrapassamos o enfoque comercial da cultura como bom negócio, caminhando decididamente na direção de consolidar a cultura como agente de mudança social e desenvolvimento.

Há bons motivos para acreditar que o País tem os meios para se deslocar do patamar de déficit cultural para um verdadeiro superávit cultural, fundamental para o projeto proposto para a nação. A gestão cultural atual leva em conta a complexa diversidade cultural do Brasil e a necessidade de pactuar com os entes da federação uma nova cultura de gestão para o setor.

Naturalmente, esse desafio não é exclusivo dos governos, mas deve ser assumido pela sociedade como um todo. O sucesso do programa estará na tradução de mais cultura em mais cidadania.

José do Nascimento Júnior é antropólogo e diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan.

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