Perseguindo uma agenda positiva no atropelo das crises que se sucedem, o presidente Lula reinaugurou, no final da semana passada, uma fábrica de calçados no interior de São Paulo. Falou de empregos e procurou, como é de sua obrigação, elevar a auto-estima dos brasileiros. A fábrica já estava funcionando há quase um ano, mas o marketing palaciano encontra argumento novo para coisa velha. É preciso tentar reverter a onda de demissões nas indústrias que se agravou no “abril vermelho” e, a qualquer custo, perseguir a trilha do crescimento.
Louve-se o esforço presidencial. Sem ele, estaríamos em situação ainda pior. Para enxergar coisas positivas, vale até uma certa dose de exagero, como a demonstrada aos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, na quinta-feira passada: “Aqui, no Brasil, estamos totalmente tranqüilos”, afirmou o presidente, sem perceber que a tranqüilidade, hoje, é produto raro no mercado. Tanto no campo quanto na cidade.
Em seu trabalho de convencimento, o presidente Lula recorre sempre a muitas alegorias – sua obra-prima – e, desde que encontrou as primeiras dificuldades, repete à exaustão que “não existem milagres”. Ultimamente acrescentou que também inexiste “a possibilidade de trazermos para cá alguém que possa fazer mágica”. Já chegou a dizer que não tem poderes divinais. Reflexos de uma lição aprendida a duras penas, quando lhe parecia que para tudo resolver bastaria vontade política. Empregos aos milhares, segurança, casa para todos, mesa farta, tudo é ainda um sonho bom que vale a pena ser sonhado. Ninguém nega sua vontade de acertar, mas também é impossível esconder que, na base do sonho, essa imensa locomotiva chamada Brasil não sai do lugar. E, pelo que garante o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ainda vai custar a arrancar.
O crescimento econômico sustentado será alcançado, sim, segundo Palocci, mas para isso o governo terá que persistir no ajuste fiscal – isto é, no aperto de cintos – por mais alguns anos: “O Brasil precisa de um ajuste prolongado para que seja definitivo”, sentenciou sem dar pelotas aos que advogam mudanças. Antes, falava-se em meses. Agora explica-se que a ousadia propalada consiste na “busca consistente” das metas definidas. Coisa já para um esforço de “coesão nacional”, com a participação de empresários, sindicalistas e todos os que tiverem boa vontade de esperar pelo espetáculo do crescimento. Mais um pouco. Por enquanto, da parte do governo que pretendia ser o marco zero de muita coisa, observe-se a criação de “melhor ambiente de negócios para as empresas”. Coisa pífia e tímida, apesar de o presidente Lula garantir que até agora seu governo deu mais certo que errado. Ninguém consegue ser juiz de si próprio com isenção.
Na visão de quem está fora do governo, entretanto, as coisas são um pouco diversas. Por exemplo, o presidente da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil, Antônio Ernesto de Salvo, acha que a colaboração pode até vir a acontecer, mas é preciso antes que se desatem as pernas amarradas de quem pretende trabalhar. Isto quer dizer simplificar leis e baixar tributos que sufocam o setor produtivo. Em outras palavras, reformar o que reformado não foi. Durante uma audiência pública na Câmara Federal, ele anunciou com alguma ironia que está criando o MQT – Movimento dos que Querem Trabalhar. E neste movimento, diverso dos outros em voga no País, “não tem boné, facão nem foice” e seus integrantes, ao contrário de invasores urbanos e rurais, “estão dentro da lei”.
Nesse “mais certo do que errado” o presidente Lula e sua equipe poderia incluir um saco (pacotes lembram coisa ruim) de facilidades para trazer à formalidade milhões de braços que hoje estão à margem da economia. Salvaria a Previdência e, de quebra, operaria o milagre que santo nenhum até aqui se arriscou. Talvez seja este o ajuste que está faltando.