Com o advento do novo Código Civil brasileiro foram trazidas ao ordenamento jurídico importantes inovações relativas à atividade do administrador das sociedades em geral. Dentre referidas inovações encontra-se aquela estabelecida pelo artigo 1016 pelo novel Código Civil, prescrevendo que “os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.”
Com isso, administradores, diretores, executivos, gerentes, representantes, enfim, todos aqueles responsáveis pela tomada de decisões que definem os rumos das sociedades, estão com o desempenho de suas atividades diretamente vinculado não somente aos requisitos de transparência e boa governança corporativa, mas, igual e principalmente, ao não cometimento de quaisquer equívocos de gestão.
Aquele detentor de poder decisório na sociedade mais afoito e desavisado vai, desde logo, imaginar que com base no artigo 1016 do novo Código Civil brasileiro poderá perder seu patrimônio pessoal para fins de indenização de uma possível má gestão, vez que a hipótese seria de responsabilidade da pessoa física em função de equívocos cometidos no comando empresarial. Ocorre que a responsabilidade prescrita pelo novo Código Civil não é pessoal mas sim solidária. Este é um diferencial que necessariamente deve ser considerado. A solidariedade caracteriza-se pela coincidência de interesses, para satisfação dos quais se correlacionam os vínculos constituídos. Com isso, a denominada solidariedade pode levar à imputação de responsabilidade a mais de um sujeito, ou seja, uma vez estabelecida tem o credor direito a exigir e receber de quaisquer dos sujeitos a dívida comum. Ademais, o adimplemento parcial efetuado por um dos sujeitos somente aproveitará aos demais até o montante da quantia suportada. Em última análise, cabe ao respectivo credor eleger contra qual sujeito pretende exercer sua pretensão. Pela letra do novo Código Civil brasileiro, em hipóteses de culpa no desempenho das funções de gestão, o administrador estará entre os sujeitos contra os quais a pretensão poderá ser exercida, conjunta ou isoladamente.
Dois aspectos merecem ser ressaltados ainda quanto à solidariedade. O primeiro aspecto é de que a solidariedade não se presume, sendo obrigatório, pois, que as partes ou a lei a definam, de modo expresso, tal como faz o novo Código Civil brasileiro. O segundo aspecto diz respeito à suposição que vem sendo genericamente propalada pela qual a responsabilidade solidária prescrita no profligrado artigo 1016 traz uma inovação ao ordenamento jurídico brasileiro, em especial pela ausência de previsão de semelhante conteúdo no velho Código Civil. Ledo engano, notadamente em face do disposto pelo § 2.º, do artigo 158, da Lei das Sociedades Anônimas, de acordo com o qual “os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.”
Nesse caso, o legislador do novo Código Civil brasileiro reforçou e ampliou os horizontes sob os quais se deve examinar, no fundo e na forma, o desempenho das atividades por parte dos administradores das sociedades.
A descuidada leitura do artigo 1016 do novo Código Civil brasileiro poderia, de igual modo, pressupor que dentre os “terceiros prejudicados” pode ser relacionada a Fazenda Pública, enquanto titular de créditos tributários. Tal visão resulta ser extremada, atribuindo ao dispositivo legal uma finalidade distinta daquela que lhe deu causa. Isto porque o comando normativo em tela espelha, de modo bastante cristalino, uma responsabilidade que diz respeito exclusivamente à ação comercial. É dizer, pois, tratar-se de uma responsabilidade mais ampla, até porque no que refere às relações jurídicas de direito privado a exegese é menos rígida, não prevalecendo a reserva absoluta de lei formal ínsita à peculiar relação tributária.
Ressalte-se que dita relação tributária está vinculada a comando normativo onde efetivamente se encontra prescrita a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado diante das hipóteses de atos praticados com excesso de poderes ou em infração à lei, ao contrato social ou estatutos. Trata-se, de modo específico, do artigo 135, inciso III, alínea c, do Código Tributário Nacional Å CTN. Neste dispositivo sim a responsabilidade é limitada ao administrador da sociedade, não se tratando de solidariedade mas sim de responsabilidade pessoal. A responsabilidade é integralmente transferida para o administrador, passando a ser pessoal, plena e exclusiva dele. Mesmo existindo opiniões distintas a respeito do tema, entendemos que não poderia ser de outra forma, estando-se diante da figura do dolo, da má-fé (vg fraude, conluio, sonegação, dissolução irregular da sociedade), que, diga-se de passagem, deve necessariamente ser comprovada.
Há que se considerar que atos relativos à atividade desempenhada pelos administradores que não se caracterizam objetivamente como ilícitos de natureza tributária jamais vão resultar na imputação da temida responsabilidade pessoal estabelecida pelo artigo 135, iniciso III, c, do CTN. Pelo menos não deveriam. O simples não recolhimento de um tributo em face de um estado de necessidade que o justifique, bem como a prática de condutas elisivas não se afiguram como causas que seguramente resultarão em dita responsabilidade. Ora, cumpre ao administrador da sociedade a árdua decisão de honrar a sua folha de salários ou recolher determinado tributo em determinada competência. Cumpre ao administrador da sociedade a diuturna missão de otimizar seus custos de natureza tributária, através de planejamentos tributários idôneos e de reduzido grau de risco, em busca de competitividade e recursos suficientes para novos investimentos na respectiva atividade empresarial.
O fato é que a despeito do amplo debate doutrinário e jurisprudencial já estabelecido a respeito de toda essa temática relacionada à natureza jurídica e às características da responsabilidade do administrador por decorrência da má gestão, a Fazenda Pública, em todas as suas esferas, vem aplicando tal dispositivo de forma indiscriminada. Nesse sentido, é comum, já no âmbito do procedimento administrativo fiscal, ou seja, durante a formalização do crédito tributário, o Fisco pretender vincular a figura do administrador sem que disponha de qualquer meio de comprovação da ocorrência concreta de má gestão da respectiva atividade empresarial, elencando, na maioria das vezes como tal condutas que efetivamente não correspondem ao objetivo vislumbrado pelo artigo 135, inciso III, c, do CTN. Nem se diga então da realidade existente nos processos executivos fiscais, na esfera judicial, onde, desde o momento preparatório da formação do respectivo título executivo judicial (certidão de inscrição em dívida ativa), inclui-se no pólo passivo a pessoa física do sócio, administrador, diretor, executivo, gerente, representante, e todos aqueles que de uma forma ou de outra atuaram na gestão da pessoa jurídica contribuinte, como pessoalmente responsáveis pelo montante integral do pretenso crédito.
Não bastando o rechaço já sedimentado perante tanto o STJ quanto o TRF da 4.ª Região, esse tipo de prática vem sendo reiteradamente utilizada pela Fazenda Pública, gerando uma série de dificuldades, dentre elas um considerável aumento do volume de ações embargos à execução movidos pelos supostos administradores responsáveis Å nos quais o Estado termina sucumbindo e tendo que suportar os respectivos ônus.
Em última análise, deve todo o administrador estar consciente da sua responsabilização como uma possibilidade diante das infinitas hipóteses configuradoras da má gestão, especialmente em face da dinamicidade das situações empresariais atuais, seja de modo solidário no que pertine às relações de direito privado, com base no artigo 1016 do novo Código Civil, seja de modo pessoal, por conta da efetiva comprovação de ação dolosa, com base no artigo 135, inciso III, alínea c, do Código Tributário Nacional.
Fabio Artigas Grillo é mestre em Direito do Estado pela UFPR, professor de Legislação Tributária da UFPR e Direito Financeiro na Unicenp, advogado em Curitiba.