A tendência da opinião pública é acreditar que o ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula, deputado José Dirceu, era de fato o comandante das manobras escusas denominadas mensalão e caixa 2, que levaram a cúpula do Executivo, o PT, os partidos aliados e o Congresso a uma crise política e moral sem precedentes. Essa tendência justifica-se pelo fato de José Dirceu ter sido um ministro todo-poderoso, haver comandado o PT nacional por muitos anos e parecer impossível que, em tanto tempo, tão grandes negócios escusos fossem praticados ao seu redor sem o seu conhecimento, anuência ou até comando.
Entretanto, há de se considerar que o relatório contra ele elaborado pelo deputado Júlio Delgado, no Conselho de Ética da Câmara, recomendando a cassação do seu mandato, escuda-se apenas em testemunhas e nenhum documento. E muita coisa na base do ?ouvi dizer?.
Se for cassado, dá para apostar que são grandes as chances de que se tenha feito justiça. Se não for, creditemos a vitória de José Dirceu à luta ingente que travou para manter-se com mandato parlamentar, atitude que outros, mais frouxos e oportunistas, não adotaram. Fugiram da raia, renunciando aos mandatos que o povo lhes conferiu. Mas não foi em respeito aos eleitores ou às instituições. Pelo contrário, em desrespeito, pois essas renúncias não permitem que as cassações possíveis e, em alguns casos, prováveis, provocassem a suspensão de seus direitos políticos. O ato da renúncia é uma confissão de culpa e o anúncio de que, nas próximas eleições, tentarão novos mandatos. Se culpados, tapearão o povo mais uma vez.
Dirceu assim não agiu. Sua luta desenvolve-se na Justiça, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, se for necessário, continuará no plenário da Comissão de Ética e da Câmara. Jamais admitiu a renúncia e isso em coerência com projeto de lei de sua própria autoria, o de n.º 4.391, de 1993, posteriormente transformado no Projeto de Decreto Legislativo 390, que nunca entrou em vigor. O projeto propunha a ?suspensão dos efeitos do pedido de renúncia de parlamentar que esteja sendo investigado? por CPIs. Ele justificava sua proposta: ?Trata-se de medida que visa preservar o Poder Legislativo contra tentativas astuciosas de parlamentares, que, através de renúncia, eximem-se de penalidades para com isso preservar as condições de elegibilidade?.
Dirceu manteve-se coerente com o que havia proposto no início da década de 90. De outra forma, nada ética, agiram os deputados, inclusive os do PT, que agora renunciaram. Ainda não se sabe ao certo o destino político de José Dirceu e muito menos se tem culpa em cartório. Mas já obteve uma vitória na CCJ, onde se considerou que não é válida a norma aplicada ao seu processo na Comissão de Ética, de que, uma vez apresentada a representação (a contra ele foi do PTB), não pode ser retirada. O PTB tentou retirar. Também são respeitáveis seus argumentos na Justiça de que não poderia ter infringido a ética parlamentar quando era deputado licenciado e ocupava cargo de ministro.
Mesmo apostando na culpa do deputado e ex-ministro José Dirceu, não dá para ignorar sua luta e coerência. Luta e coerência que muitos políticos que se fazem de bonzinhos não tiveram coragem de empreender e seguir nesse episódio negro da política brasileira.