O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia uma semana decisiva. Vai começar, a partir de hoje, a articular encontros com os líderes dos partidos com assento no Congresso Nacional para tentar aprovar as reformas, sobretudo a da Previdência, o tendão-de-aquiles das contas públicas. Não é tarefa das mais fáceis. Primeiro, porque o acordo fechado na semana passada entre o presidente da República e os governadores dos 27 Estados está longe de traduzir os anseios populares. Pelo contrário. Há sérias resistências a alguns pontos do acordo, sobretudo a contribuição dos servidores inativos e o aumento em sete anos da idade mínima para a aposentadoria.
Há outro problema, porém, tão delicado quanto esse. Para aprovar as reformas, é preciso muito mais que uma reunião com os governadores na Granja do Torto, como a ocorrida na semana passada. É preciso que o presidente também consiga superar as profundas divergências existentes no Congresso Nacional em relação às reformas, inclusive na base do seu partido, o PT, que resiste vigorosamente às medidas consideradas impopulares.
Existe, porém, um agravante que torna a aprovação das reformas uma tarefa ainda mais complicada. Estudo feito pela assessoria técnica do PT aponta uma série de contradições entre as propostas do governo Lula e do partido que o presidente fundou. Segundo a assessoria, baseada em um texto de 1999 que subsidiou as lideranças petistas nos debates da reforma da Previdência ocorridos durante o governo Fernando Henrique, o partido considerava inconstitucional a cobrança de contribuição dos aposentados do serviço público.
O argumento utilizado pelos petistas para justificar esta posição, à época, foi que a contribuição dos inativos fere o direito adquirido e o princípio da irredutibilidade dos vencimentos, exatamente o que está sendo adotado, agora, pelo governo petista, cujo projeto de reforma da Previdência a ser enviado ao Congresso prevê também a redução das pensões e a fixação do seu limite em, no máximo, 70% do benefício.
A coerência entre discurso e prática é virtude das mais valorizadas no palco da política. Caso não leve isso em conta, portanto, Lula e o PT correm o sério risco de sofrer nas urnas, já no próximo ano, as conseqüências da sua falta de zelo com esse pressuposto basilar para quem se dispõe a enfrentar o jogo duro da disputa eleitoral.
Não há dúvidas de que, pelo próprio poder de que foi investido nas eleições de 3 de outubro, Lula reúne todas as condições para aprovar as reformas. Neste sentido, o presidente da República continua sendo um Orfeu da política nacional contemporânea, que, assim como o PT, consegue encantar a muitos com a irresistível lira que o exercício do cargo lhe confere.
Ocorre, contudo, que os entraves que se colocam face à adoção de mudanças mais profundas pode inviabilizar as necessárias alterações do atual sistema de seguridade social público brasileiro. E dar a Lula o mesmo trágico destino de Orfeu que, apesar da sua maestria como músico, tentou mas não conseguiu livrar seu grande amor, Eurídice, da morte. A esperança nacional, porém, é que a tragédia grega não encontre o seu paralelo no Palácio do Planalto.
Aurélio Munhoz (politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.