Em pronunciamento feito no Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo, mas de cunho marcadamente eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem "entendimento nacional" em seu eventual segundo mandato e lançou as bases do que seria um novo programa de governo. O presidente falou como quem se julga reeleito e apresentou aos "companheiros" dos setores industrial, bancário e sindical uma lista de compromissos para acabar com o que ele chamou de "grandes pecados nacionais". Prometeu redução de juros, dos impostos e do déficit previdenciário, e até melhoria nos gastos em infra-estrutura e educação.

continua após a publicidade

Para uma platéia de cerca de 80 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Lula pediu o fim da tensão política e propôs um pacto com os adversários. "Temos de reduzir a tensão política, dedicar nosso tempo mais ao que nos une do que ao que nos divide", disse no discurso. "Meu sonho continua sendo o de contribuir humildemente para que o Brasil encontre, definitivamente, o caminho do desenvolvimento sustentado, transformando-se numa nação rica e justa.

Os tucanos, principais adversários de Lula, interpretaram o pronunciamento como uma confissão de que o governo petista estaria ciente dos problemas fiscais que vem criando e das dificuldades que deve enfrentar a partir do ano que vem. "Do jeito que o governo vem gastando, se o mundo continuar a apontar para um cenário de desaceleração do crescimento econômico, o governo Lula vai ter de renegociar suas promessas eleitorais e precisar de muita ajuda para enfrentar a crise das contas públicas", afirmou o economista José Roberto Afonso, assessor do PSDB. Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawal, de janeiro a julho passado, a despesa do governo cresceu 14,8%, diante de um aumento de 11,1% da receita. Em Minas, o candidato Geraldo Alckmin (PSDB), tratou o chamamento ao "entendimento nacional" de "historinha de véspera de eleição".

As promessas feitas ontem por Lula basearam-se em um documento elaborado pelo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro com um plano de desenvolvimento para os próximos 16 anos, entre 2007 e 2022. A diferença é que o documento fixa metas bem precisas – como a taxa de crescimento de 6% a partir de 2008 – e o presidente não se comprometeu com números. O documento de Tarso também não diz como chegar ao crescimento necessário. Já a cautela de Lula corresponde a uma estratégia sob medida para evitar cobranças futuras. Na campanha de 2002, o programa de governo do PT dizia que era preciso criar 10 milhões de empregos objetivo não atingido.

continua após a publicidade

No discurso de 30 minutos, os sonhos anunciados pelo presidente trombaram várias vezes com a realidade. Lula chegou a afirmar que reduziu impostos – por coincidência, ontem mesmo a Receita Federal confirmou que a carga tributária em 2005 foi a maior da história, atingindo 37,37% do Produto Interno Bruto (PIB). Para espanto da platéia, o presidente afirmou: "A redução dos impostos também não é uma missão impossível. Não usei o aumento de imposto como instrumento de minha política econômica. Ao contrário, reduzi, e a arrecadação não caiu.

O presidente ressaltou que tem compromisso "definitivo" com o combate à inflação e previu que o índice deste ano ficará abaixo da meta de 4,5%. "Se depender do meu trabalho e da minha força, a inflação será lembrada pelas futuras gerações como os dinossauros são lembrados hoje", disse, antes de fazer uma ressalva. "Confesso a vocês que não penso como alguns críticos que acham que colocar as contas em ordem significa cortar, cortar e cortar. Na verdade, precisamos trabalhar para melhorar a qualidade do nosso gasto." Segundo ele, o crescimento econômico é um fenômeno "inusitado".

continua após a publicidade

Lula surpreendeu a platéia ao cobrar coerência política, ignorando as críticas de que, para chegar ao poder e mantê-lo, mudou de discurso, de parceiros e de visão econômica. "Fico pensando se não seria bom, todo dia, cada brasileiro colocar o nome da pessoa eleita embaixo do travesseiro para nunca esquecer para que pudesse cobrar sistematicamente a coerência.