Napoleão seguiu caminhos abertos pelas armas, mas fez da política o principal instrumento de consolidação do seu império. Lula renunciou às armas, solução da preferência dos mais extremados das esquerdas brasileiras, e evoluiu para um estilo que apelidaram de “light”, mas que tem muito de centro e, para a ótica de alguns de seus antigos companheiros, pode parecer até de direita.
Comparado a Hugo Chávez, da Venezuela, que tentou as armas, fracassou e acabou chegando ao poder através do voto popular, mas hoje enfrenta forte oposição face ao seu autoritarismo, o nosso presidente eleito era tido como um aliado e fã do chefe do país vizinho e de Fidel Castro, de Cuba. No último dia 3, o prestigioso jornal norte-americano Washington Post publicou entrevista com Lula no mínimo surpreendente, mas que revela seu lado napoleônico, principalmente quando fala de Chávez.
Disse Lula: “Lembro-me de ter dito ao presidente Chávez: ?Eu o aconselharia a ser mais político. Um presidente não pode brigar com todo mundo ao mesmo tempo. É preciso mais sabedoria política. É preciso rachar os adversários para poder governar com eles.?” E acrescentou que o presidente da Venezuela está pagando o preço de sua falta de experiência política. Nada mais napoleônico do que “dividir para governar”.
No que toca às suas próprias forças, as do PT, já dividido em pelo menos três alas distintas, Lula hoje cerca-se da menos extremada e já é combatido pela ala mais à esquerda. O novo presidente busca a união. Fez uma reunião nesta semana e pediu a todos que continuem apoiando-o no seu governo, apesar de eventuais diferenças ideológicas e programáticas, prometendo que o PT continuará com sua prática de decidir sempre respeitando a opinião da maioria. Com isso, tentou aplacar os ânimos das esquerdas mais extremadas, que já protestam contra suas cautelosas e mutantes posições em relação a diversos temas, que, na visão de oposição, pareciam da essência do programa petista. É que, com a responsabilidade de governar, terá de submeter-se a condicionamentos que não tinha enquanto liderando a oposição.
No que respeita a outras forças políticas que se encontram no limbo, alguns falando em independência, outros em apoio ao governo de Lula e outros em oposição “meia-boca”, deve aplicar a política de dividir para governar. Com isso, Lula conseguiria, como novo presidente, caminhar para o seu pacto social, pois os maiores obstáculos parecem estar na extrema-esquerda. Lula aplicou-lhe uma anestesia por certo tempo, pedindo um voto de confiança. O centro-direita sempre fumou o cachimbo do poder e já tem a boca torta. Por isso, é facilmente cooptável.
Lula deve ter agradado os norte-americanos com sua entrevista. Falando do regime de Fidel Castro, procurou mostrar-se distante. “Não vamos confundir a paixão da minha geração pela revolução cubana e o que representou na época, com qualquer aprovação ao regime cubano de hoje. Defendo liberdade religiosa, cultural, comercial e política.” Assegurou, também, que não pretende para o Brasil um modelo econômico que tenha o estatismo como marca.
“Não acho ? disse ? que o Estado tenha que dirigir empresas. O papel do Estado é planejar, estimular o desenvolvimento com incentivos e, se necessário, procurar a iniciativa privada para fazer parcerias em financiamentos.” Tudo isso, para o PT de ontem, é neoliberalismo. Para o de hoje, pragmatismo.