Com o "corpo fechado" por entidades vodus de Ouidah, Benin, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concluiu hoje (12) seu quinto périplo pela África com a perspectiva de explorar a faixa Oriental do continente ainda neste ano – ou em um possível segundo mandato. Neste roteiro de cinco dias pela Argélia, Benin, Botsuana e África do Sul, Lula percorreu uma distância que, incluída a ida e a volta a Brasília, alcançou cerca de 24 mil quilômetros. Somou 17 países africanos visitados em seus três anos de governo e estreitou os fios de uma rede de cooperação com a África em troca de apoio a iniciativas chaves de sua política exterior.
"O presidente tem muito interesse em participar de uma reunião com a União Africana (UA), seja com a América do Sul ou com a América Latina", afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. "Eu, como sou otimista, tenho certeza que o presidente Lula certamente voltará à África. "A proposta de encontro de cúpula entre sul-americanos e africanos foi apresentada pelo presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo, que a reiterou recentemente na sede da UA, em Adis Abeba (Etiópia).
A reunião mais ampliada, com todos os latino-americanos havia sido sugerida a Lula em dezembro de 2003 pelo presidente da Líbia, Muamar Kadafi. Assim como a visita à região Nordeste africana – na qual está a Etiópia e, ali, a sede da UA – qualquer dessas iniciativas teria repercussão direta nos atuais objetivos de Brasília no plano exterior.
Como o próprio Amorim ressaltou, o Brasil "compartilha visões comuns" com vários países africanos – entre os quais Botsuana, visitado no último sábado – sobre o comércio internacional. Várias nações da região fazem parte do G-20, a frente de economias em desenvolvimento que pretende obter resultados profundos e consistentes na área agrícola na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Além disso, mudança da posição subserviente de alguns países da África em relação à Europa, em questões comerciais, foi um ponto central para fortalecer as posições do G-20 e de seus aliados na atual Rodada.
Retomada no início deste ano, a campanha do governo Lula por uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) dependerá essencialmente das decisões a serem tomadas pela UA. Em agosto de 2005, a reticência dos africanos em apoiar a proposta de reforma formulada pelo Brasil, Alemanha, Japão e Índia (G-4) e a decisão de apresentar sua própria sugestão jogaram um balde de água fria nos objetivos de Brasília.
Na Argélia, a primeira etapa do roteiro, o tema foi tratado na conversa entre os presidentes Lula e Abdelaziz Bouteflika. A razão é simples: a Argélia é um país de várias dimensões – africana, árabe e mediterrânea – bastante ativo no cenário internacional e respeitado por suas posições em diferentes foros, conforme descreveu Amorim.
Igualmente foi um dos países africanos que mais se opôs à proposta do G-4 – apesar de salientar que apoiará a inclusão do Brasil no Conselho de Segurança, caso se torne um voto vencido e veja o projeto de reforma ser aprovado.
A expansão do comércio e dos negócios bilaterais é outra questão-chave para o governo brasileiro, que vê na África um bolsão de oportunidades a serem garimpadas. No ano passado, o Brasil conseguiu elevar suas exportações a todos os 14 países visitados até então – embora a mão contrária do comércio tenha caído no caso de oito desses parceiros e tenha se mantido inexpressiva em dois outros.
País que se abre cada vez mais ao exterior, a Argélia foi também o que manteve o maior déficit do Brasil na África no ano passado, de US$ 2,454 bilhões. As exportações brasileiras para aquele mercado, de US$ 384 milhões. Os dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) deram o alarme da urgência em equilibrar essas trocas. Entre os acordos firmados durante a visita de Lula está um que prevê o tratamento preferencial a produtos brasileiros no ingresso no mercado argelino – lista que será definida por uma comissão mista bilateral, a ser criada.
A atuação de empreiteiras no país é outro dado favorável às exportações de serviços e bens brasileiros. A Argélia investirá US$ 60 bilhões em obras de infra-estrutura até o final de 2009.
Em Botsuana, o interesse brasileiro esteve mais focado na cooperação bilateral nas áreas de saúde – o país conta com cerca de um terço da população contaminada pelo vírus da Aids – e de esporte. Mas também no respeito que Botsuana conquistou no continente ao consolidar-se como modelo exemplar de democracia e como economia capaz de manter uma renda per capita considerável, de US$ 5.700 ao ano, maior que a do Brasil. No roteiro, este foi o momento para o presidente voltar a suas emblemáticas declarações sobre a dívida moral e cultural do País para com a África.
Mas foi em Benin que Lula desfrutou do seu quinto périplo pela África. Cuidadosamente, esquivou-se de qualquer pedido de perdão pelo processo de escravidão – até porque visitou, em Ouidah, o descendente de um mercador de escravos brasileiro que tornou-se vice-rei do país em 1830 e passou o título de Chachá a todos os seus sucessores. Ao visitar o Portal do Não Retorno, de onde partiam os negros escravizados para o Brasil, Lula foi "abençoado", recebeu a proteção de três espíritos e deixou o país, segundo disse, "um pouco mais leve".
