O verde e ouro do Brasil, o azul, o branco e o vermelho da França, o azul do céu, os aviões do Brasil e da França sobrevoando o Champs-Eliysées, a explosão multicolorida dos uniformes, do branco imaculado das tropas montanhesas ao escarlate, o esmeralda e o bronze dos regimentos, os organizadores da festa do 14 de julho dedicada este ano à amizade franco-brasileira fizeram bem as coisas. E nos lugares de honra, dois rostos igualmente simpáticos, o velho Jacques Chirac, impecável e bonachão, e este Lula que na França tem o status de um mito, e que se revelaria, enfim, de verdade.

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Mas sob a imagem esplêndida despontam algumas ferrugens. As duas figuras de proa, Chirac e Lula, com toda sua magnificência, estavam baças e gastas. Chirac, depois das décadas de poder, "perdeu a mão": tudo que ele faz dá errado. A economia francesa rateia. A Alemanha, aliada da França, debanda, enquanto que a Grã-Bretanha, amiga/inimiga de Paris, colhe os triunfos. Internamente, o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, desafia e humilha Chirac sem que este, travado, envelhecido e desajeitado, seja capaz de responder.

Ao lado desse Chirac (brilhante por fora e esgotado por dentro), a outra figura deste 14 de julho, Lula. Mesmo paradoxo: na França, ao menos entre os jovens e a "esquerda", a lenda Lula está no apogeu. Lula é o primeiro dirigente que conseguiu conciliar a ruptura com a injustiça e com as submissões aos grandes países liberais sem cair, como Fidel Castro ou Chávez, em "messianismos delirantes" e condutas exatamente contrárias aos sonhos que eles alimentaram.

A sabedoria de Lula, que sem renegar as esperanças respeitou o "princípio da realidade", isto é, considerar a correlação de forças, fascinou especialmente os jovens. Melhor ainda: o gigante brasileiro, que se temia que sucumbisse às leis férreas do mercado, mostrou firmeza. É bem verdade que a pobreza não foi erradicada e as injustiças perduram, mas o Brasil avançava lentamente na boa direção. A economia brasileira, longe de morrer, mostrava um dinamismo intacto. Além disso, Lula talhava para si uma estatura planetária ao defender a causa dos "esquecidos", da África, dos que têm fome no mundo. À lenda sombria e delirante do Castro dos anos 70 sucedia uma nova lenda mais sólida, menos pomposa, e magnífica, a de Lula.

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E então, algumas semanas antes deste 14 de julho franco-brasileiro, a catástrofe: com um pouco de atraso, a França fica sabendo que, embora Lula esteja por enquanto livre de suspeitas, grassavam, ao seu redor a corrupção, a mentira, as conivências, as trapaças. A esquerda francesa, a ultra-esquerda, os jovens reagiram: decepção agridoce, ainda que abrandada pelo imenso capital de simpatia que Lula conserva na França.

O jornal Le Monde é severo: "É um presidente enfraquecido por dois meses de acusações de corrupção que visita Paris. O campeão da luta contra a fome no mundo chega no momento em que seu prestígio é desfalcado em seu próprio país… Quando se é apresentado como um "cavalheiro branco", sem mácula, é difícil receber as censuras por financiamentos ilícitos para o Partido dos Trabalhadores (PT) e a compra de votos dos deputados de outros partidos".

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Estranhamente, o jornal Libération, que por muito tempo passou por jornal dos "esquerdistas", é mais indulgente. Sob o título "Cabeça erguida", o editorialista ameniza o drama do PT. "Apesar de ter decepcionado alguns de seus partidários, Lula desmentiu também as previsões catastróficas de seus adversários… Os brasileiros mais pobres e os deserdados mantêm sua confiança nele. Isso lhe impõe o duplo dever de não frustrar suas esperanças." Assim, sob o fausto, o luxo e a beleza dessas festas franco-brasileiras, eram esses dois homens fatigados, desancados, e minados por dentro que aclamam, nesta manhã, no Champs-Elysées, a música da Marinha brasileira e da Legião Estrangeira, a Patrulha Aérea da França e a Esquadrilha da Fumaça. Aliás, todos ficaram impressionados com a máscara de fadiga sob as feições de Lula (Lula explicou que "tem medo de voar e que não consegue dormir").

A multidão, por sua vez, foi seduzida. Ela não poupou seu entusiasmo por esse Brasil, tão presente na memória francesa, não só, como pretendem com muita freqüência, pelo futebol e o Carnaval, mas por seus escritores, seus sonhos, seus músicos cujo gênio se reafirmou na véspera no concerto fantástico da Bastilha.

Por tudo isso, é pouco compreensível que a França, mesmo concedendo uma atenção extrema a Lula, tenha cometido alguns deslizes de protocolo: Lula veio com quatro ministros mas quem o governo francês destacou para recebê-los? Um secretário de Estado, François Baroin, e pasmem, o secretário de Estado para os Departamentos e Territórios de Ultramar! É bem verdade, dirão que esses departamentos de Ultramar incluem a Guiana que, situada ao norte do Amapá, tem uma fronteira comum com o Brasil". Por felicidade, o presidente Lula havia sido recebido calorosamente pelo prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, na véspera.

Como explicar a distração do protocolo que envia um subministro especializado na gestão das "heranças do antigo império francês" para receber o presidente de um dos maiores países do planeta? Um simples equívoco, mas que equívoco! Outra hipótese: a direita francesa, ou melhor, a parte mais obtusa dessa direita, ficou furiosa com a vinda de Lula. "Como Chirac ousa se pavonear junto ao velho líder do Partido dos Trabalhadores?" É bom que se diga que o próprio Chirac é o chefe da direita. Mas todas suas ações no campo diplomático reproduzem antes as posturas da esquerda. "Chirac é de esquerda, estão vendo, ele recebe esse Lula!" suspiraram alguns caciques sonolentos da direita.