O clima azedo das negociações comerciais entre brasileiros e argentinos ficou de fora do encontro dos presidentes dos países integrantes do Mercosul, em Ouro Preto. Sorridentes e bem à vontade, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner procuraram demonstrar que a relação entre eles está a melhor possível. Ao descer do ônibus que os trouxe de Belo Horizonte e durante a foto oficial, se abraçaram para os fotógrafos. Anfitrião da festa, Lula procurou o tempo todo descontrair o ambiente.
Conhecido pelo seu apetite, o presidente brasileiro abriu e fechou seus discursos na reunião de Cúpula do Mercosul, em Ouro Preto, elogiando a comida mineira e falando da expectativa de que o almoço oferecido aos convidados – que incluiu lombinho de porco com farofa, tutu, arroz branco e doces mineiros – agradasse a todos. "Não sei se todos poderão ficar para o almoço, mas os que ficarem vão ter o privilégio de experimentar o sabor da cozinha mineira, uma das mais extraordinárias do Brasil", propagandeou o presidente ao encerrar o encontro, pouco antes das três horas da tarde, com todos já famintos.
"Espero que o governador Aécio Neves tenha preparado uma boa comida, porque estamos todos engajados no Fome Zero, e para combater a fome dos outros precisamos pelo menos estar de pé", brincou o presidente.
Lula começou a condução dos trabalhos, com mais de uma hora de atraso, tentando arranhar um portunhol. "Por favor, habla perto do micrófono", disse o brasileiro a seu colega peruano, Alejandro Toledo. A cada um que chamava, pedia que "hablassem". Bem-humorado, o presidente chegou a fazer uma brincadeira com o presidente Carlos Mesa, da Bolívia, quando o chamou a dar sua palavra e verificou que ele havia se levantado e não estava em seu lugar. "Vai ficar para o fim da fila de castigo", comentou, rindo, provocando risos nos colegas e chamando-o de companheiro.
Mais uma vez, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez o mais longo, patriótico e efusivo discurso, tendo como tema base o ataque aos Estados Unidos. De posse da constituição bolivariana na mão, Chavez defendeu a criação de um canal de televisão da América Latina para contrabalancear a norte-americana CNN, "que só dá notícia negativa da nossa região".
Apesar de todo o esquema de segurança, cerca de 30 estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto conseguiram montar uma pequena manifestação na entrada do centro de convenções, onde foi feita a reunião. "Fora Alca. Fora FMI", diziam as faixas exibidas pelos estudantes. O tumulto, no entanto, foi rapidamente abafado pela polícia.
Na véspera, o jantar de chefes de Estado, oferecido pelo presidente Lula e pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, em Belo Horizonte, começou com uma hora e meia de atraso por causa de Kirchner. Sua demora para sair do hotel impôs um "chá de cadeira" em outros sete chefes de Estado e convidados. O grupo sofria com o calor dentro do elegante prédio do Museu de Artes e Ofícios, uma antiga estação de trem restaurada.
A demora, porém, pode ter sido motivada pela crise envolvendo a embaixada da Argentina em Cuba, onde uma médica se refugiou com sua mãe. O episódio provocou uma crise na chancelaria. Lula chegou ao jantar apenas alguns minutos depois do horário marcado e recebeu os convidados ao lado de Aécio Neves.