"Seria impensável eu governar durante quatro anos e não acontecer nenhum problema", afirmou hoje (2) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao discursar na abertura do 12º Fórum de São Paulo, que reúne partidos de esquerda da América Latina e do Caribe. Num ambiente propício, Lula admitiu que nem todos os males da região são culpa do imperialismo norte-americano: "A corrupção é uma desgraça do nosso continente. Somos pobres por causa do imperialismo, mas nem sempre tivemos dirigentes que fizeram as coisas corretamente".
Lula abordou lateralmente os escândalos de corrupção que abalaram seu governo nas últimas semanas, da mesma forma como atingiram outros governos latino-americanos, como o Chile do socialista Ricardo Lagos. E deu, pela primeira vez, a sua conceituação do quilate da crise política que o País vive: "Eu encaro como uma certa turbulência", disse ele, "mas que se enquadra no processo democrático."
Mais uma vez Lula prometeu ser implacável "com os adversários e aliados que acharam que podiam se aproveitar do dinheiro público para ficar ricos". Ele afirmou, igualmente, que não permitirá retrocessos que foram conseguidos no decorrer dos anos, como a consolidação do processo democrático: "Temos confiança nos sacrifícios feitos para o povo sentir o gosto da democracia", afirmou ele.
Democracia
Bem-humorado e abandonando o discurso escrito que trouxe para falar de improviso, o presidente procurou dar aos participantes do Fórum – muitos dos quais pertencentes a partidos e grupos revolucionários – a idéia de que a democracia é o mais precioso bem das esquerdas. Para tanto usou algumas metáforas, como reconhecer que envelheceu muito nos últimos 15 anos, mas hoje está mais maduro e já não diz coisas que antes falava.
"O Lula de hoje está mais velho e muito mais consciente do papel que temos de jogar na política da América Latina, uma nova concepção de política", assinalou. E deu outro conselho que nenhum revolucionário admitiria ouvir há 15 anos: "Nós não vamos fazer as transformações em que acreditamos em pouco tempo", observou, conformado.
Ele sublinhou para os dirigentes esquerdistas de outros países que a esquerda precisa aprender a chegar ao poder e exercê-lo pela via democrática. "A democracia veio para ficar no Brasil", afirmou, com ênfase. E procurou registrar os avanços que a esquerda conseguiu no continente depois de abandonar a via armada e a participar de eleições: "É como uma escada, fazer as nossas conquistas subindo degrau por degrau. Se dermos um passo muito grande podemos cair e nos machucar", ponderou.
Lula pretendeu fixar para as esquerdas latino-americanas e caribenhas a sua nova imagem como político vinculado à democracia e à paz. Ele contou que visitou Guiné Bissau e ficou impressionado com a destruição do país pela guerra. "Eles nem têm país para destruir. Eu disse a eles: pra que a guerra? A única chance de vocês é a construção da paz." E relatou: "Eu usei o banheiro do presidente de lá e não tinha nem água. Pra que a guerra"?
De forma incisiva, Lula voltou a sublinhar a sua tentativa de convencer a esquerda latino-americana a aderir aos processos democráticos em seus países: "Esse trabalho leva anos e nós apenas estamos começando", afirmou, enquanto apelava para "muita paciência". Em auxílio à sua argumentação, lembrou como era o Fórum São Paulo há 15 anos, quando foi criado por muitos dos participantes que estavam hoje (2) no Parlatino, no Memorial da América Latina, em São Paulo.
"Alguns partidos nem queriam participar porque achavam que nós éramos um bando de malucos", comentou, assinalando que hoje, ocupando a presidência da República, ele mesmo não pode repetir o que dizia antes. "O poder é construído dia a dia", insistiu, ensinando que, "quando se é presidente da República, você não será lembrado pelas grandes obras que construiu." E receitou: "A coisa mais importante que um governante pode fazer é facilitar o diálogo entre o Estado e a sociedade civil organizada".
Com agudo senso crítico, Lula disse: "Toda vez que fizermos críticas, temos de olhar o que éramos dez anos atrás". Ele fez o elogio do Fórum, assinalando que o evento dos partidos esquerdistas criou um diálogo supranacional e pavimentou caminhos. "Nós tivemos a paciência de esperar e construir uma política capaz de tirar o medo do povo em ver a esquerda no poder", salientou.
Ele afirmou também que a convivência no Fórum ajudou no diálogo entre os países depois que dirigentes de esquerda assumiram o poder em seus países. "Foi assim que se deu a evolução política em nosso continente."