Em seu primeiro pronuciamento após a definição do quadro eleitoral para o segundo turno, o candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, voltou a dirigir suas críticas ao mercado financeiro e à importância dada pelo atual governo ao Ministério da Fazenda. “Num governo do PT, a área da economia não será um deus todo poderoso”, disse o presidenciável petista, em entrevista concedida hoje, ao lado da cúpula de seu partido, no Hotel Intercontinental, em São Paulo.

No modelo de desenvolvimento que Lula promete adotar, caso seja eleito, o Ministério da Fazenda deverá ser “apenas mais um”. “Temos de pensar um ministério forte na área social e um ministério forte na área de planejamento”, afirmou o presidenciável.

“A economia será apenas mais um ministério, porque não vamos subordinar a orientação do governo apenas em função da área econômica”, disse. “Senão passaremos mais quatro anos sem fazer nada”, completou Lula, que reafirmou seu desejo de anunciar de uma só vez o seu ministério, caso vença a eleição no dia 27.

Ele também faz questão de se contrapor às afirmações do ministro da Fazenda, Pedro Malan, que considera o posicionamento dos presidenciáveis em relação às políticas econômicas um fator importante para acalmar o nervosismo do mercado financeiro.

Para o petista, não há nada mais que ele possa fazer para acalmar o mercado neste período de segundo turno. “Temos 20 dias para as eleições e eu acho que cabe ao presidente Fernando Henrique Cardoso e à sua equipe econômica, que não estão em campanha, se dedicarem a acalmar o mercado, enquanto eu tenho de ganhar votos”, comentou.

Cobrança

O presidenciável ainda cobrou de Fernando Henrique ações que possam permitir que a eleição transcorra com tranqüilidade. “Espero que, com a responsabilidade que deve ter, o governo trate de cuidar das questões econômicas para serenar os ânimos do mercado e permitir que a eleição se dê da forma mais tranqüila e democrática possível”, disse.

As falhas do governo Fernando Henrique, aliás, devem ser um dos pontos mais explorados pelos petistas neste segundo turno, como forma de tentar atingir o candidato governista à Presidência, José Serra (PSDB). “Se não resolveu em oito anos, vai resolver agora?”, disse o senador eleito Aloizio Mercadante (SP), que participou do evento no hotel paulistano.

O parlamentar, no entanto, sustentou que a tônica da campanha continuará sendo “propositiva”, sem ataques ao tucano. Os petistas também afirmam não acreditar em ataques pesados vindos do adversário. “Não haverá ataques, porque o Serra atacou no primeiro turno e foi prejudicado por isso”, disse Luiz Dulce, secretário-geral do PT.

Ironias

Na entrevista, Lula sugeriu, ironicamente, que chegou a acreditar que a turbulência financeira poderia até ajudá-lo nesta sucessão. “Houve um momento no qual achei que a questão do mercado era tão importante que o povo iria resolver as eleições já no primeiro turno”, contou. “Mas me parece que o povo não teve essa preocupação econômica exagerada dos analistas e decidiu escolher, de forma democrática, seu presidente no segundo turno”, completou.

As críticas ao mercado financeiro feitas pelo petista continuaram duras. “O mercado, tal como está, tem sido pernicioso com as economias dos países emergentes”, argumentou o presidenciável. “E não só com esses países, porque o mercado também ficou nervoso quanto (o primeiro-ministro britânico) Tony Blair tentou a reeleição na Inglaterra e (o chanceler) Gerhard Schroeder, na Alemanha”, disse. “Esse mercado está muito nervoso”, completou ironicamente o presidenciável petista, arrancando risos dos petistas presentes no evento.

Astral

Na entrevista, Lula fez muitas brincadeiras, na tentativa de espantar as especulações de que o fato de não ter vencido a eleição no primeiro turno teria abalado os ânimos de membros da campanha. “Estou mais animado do que nunca”, chegou a dizer, entre as brincadeiras que fazia com seu vice, o senador José Alencar (PL-MG), e com o candidato petista ao governo de São Paulo, deputado José Genoino. “Eu, o Genoino e o José Alencar estamos com mais disposição e preparo físico do que a seleção brasileira.”

Em um dos momentos de descontração, Lula e Genoino ensaiaram uma “discussão” para ver quem teria Mercadante, eleito para o Senado com mais de 10 milhões de votos, como cabo eleitoral neste segundo turno das eleições.

Não faltaram elogios e agradecimentos do presidenciável por causa de sua ida ao segundo turno da disputa e do desempenho do PT nos Estados. “Colhemos a melhor colheita de todos os tempos”, afirmou Lula. “Plantamos direito, adubamos direito, choveu o suficiente e conseguimos colher a mais extraordinária vitória que um partido político de esquerda conseguiu na história deste continente”, argumentou. Os dois ex-presidentes da República que o apóiam – o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, e o senador José Sarney (PMDB-AP) – também foram citados pelo petista.

Elogios

Lula ainda destacou três momentos que considerou decisivos na campanha do primeiro turno: o encontro nacional do partido, em dezembro, em Olinda (PE), quando foram definidas as diretrizes de seu programa de governo; a contratação do marqueteiro Duda Mendonça, mesmo diante da resistência de alguns petistas; e a aliança com o PL, com a conseqüente entrada de Alencar em sua chapa, apesar da polêmica que isso provocou em seu partido.

E, como não poderia deixar de ser, também elogiou os eleitores. “Sou agradecido a esse povo que não teve medo, que votou de forma quase plebicitária contra o modelo econômico vigente”, disse o candidato.

Radicais

Dezenas de jornalistas estrangeiros ajudaram a lotar uma das salas de convenção do hotel no qual Lula concedeu a entrevista. Os assuntos preferidos, como o Mercosul e a Argentina, foram abordados. Lula também teve de dar explicações sobre “os radicais do PT” e sua possível influência num eventual governo seu. “Não somos divididos em radicais e moderados”, disse Lula. “O PT tem o defeito de ser um partido democrático, porque nós discutimos profundamente os assuntos e em determinado momento tomamos uma decisão. E quando a decisão é tomada não tem A, B ou C no partido. Todo mundo vira A.”

Sobre a Argentina, o presidenciável reiterou sua promessa de ajudar o país vizinho a sair da crise financeira. “Vamos fazer o que for possível para ajudar a Argentina a recuperar sua economia, porque ela é um parceiro necessário e importante para o Brasil.”

O petista também reafirmou seu compromisso com o Mercosul. “Se houver divergências no processo de aliança com outras forças políticas, vamos aparar as arestas e tentar mostrar o quanto para nós é importante o Mercosul, até como instrumento para negociar com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e com os Estados Unidos.”

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