Luiz Carlos Souza de Oliveira – um vanguardista

luizcarlos300907.jpgEm 1967, quando poucos conheciam a Gramática Construtural preconizada por Geraldo Mattos e por Eurico Back, até porque ainda apostilada e com poucos escritos publicados, um jovem professor de língua portuguesa, perto de seus 25 anos, acreditava nessa nova metodologia de ensino do vernáculo, aplicando-a aos alunos do primeiro ano ginasial do Colégio Estadual do Paraná, todos com seus 11 anos de idade.

Apresentava a análise sintática sem que os alunos percebessem em que universo complexo adentravam, e fazia-lhes sentir, através de dinâmicos exemplos e com a participação entusiasmada de uma platéia curiosa, que ?P-1? era o ?sujeito?, ?P-2?, o ?predicado?, ?P-3?, o ?objeto direto?, ?P-4?, o ?objeto indireto? etc. Nas aulas seguintes, as crianças brincavam de localizar, no quadro negro, os ?Ps? e suas respectivas numerações, reconhecendo-lhes intuitivamente, independentemente da memorização que tornaria aquele tema enfadonho (como hoje ainda é considerado).

Os meninos recortavam notícias de jornais, colocando-as no mural, e a redação era estimulada por temas livres, inclusive com a elaboração de diários. Os poemas e as poesias, a métrica, a redação, enfim, todos os tópicos do programa recebiam a empolgante mensagem de um professor que sabia aplicar o método que, anos depois, Eurico Back afirmava enfraquecido, muito mais pela dificuldade de sua transmissão.

Para a declamação de Trem de ferro, de Manuel Bandeira, o professor dividia a sala de aula em filas. Umas proferiam, inicialmente, como o vagar de um trem em partida, ?Café com pão, café com pão?, acelerando o ritmo de modo a sonorizar um trem em movimento, quando em seguida, um aluno de voz possante, bradava ?Virgem Maria que foi isto maquinista??, enquanto as outras fileiras entoavam os demais versos, e a máquina ?Café com pão, café com pão? repercutindo, concomitantemente, o ritmo de um trem de ferro em célere deslocamento. Cada porção da sala emitia um som, uma parte dos versos, numa musicalidade que transmitia a idéia de Bandeira.

Em 1994, em seu último trabalho fonográfico, Tom Jobim musicou Trem de ferro, e, ao ouvir a harmoniosa peça resultante de dois talentos, lembrei-me do meu professor de português em 1967 no Colégio Estadual do Paraná: Luiz Carlos Souza de Oliveira. O arranjo de Jobim se assemelhava à orquestração que o mestre ensaiava com seus alunos da primeira série ginasial de um dos melhores e mais modernos colégios de nosso Paraná.

Luiz Carlos Souza de Oliveira era um vanguardista.

Na Faculdade de Direito de Curitiba, em 1977, vejo o mesmo professor que me estimulou a gostar de ler e escrever entrar na sala de aula, com caixa de giz, livro de chamada e um código às mãos. Passou a me dar aulas de direito penal na condição de assistente do professor Eros Gradowski, outra figura humana inesquecível. Aulas fantásticas, recheadas de exemplos memoráveis, ministradas com a experiente didática de quem muito cedo iniciou a lecionar.

A partir das recordações das aulas que ministrou no Colégio Estadual do Paraná, meu contato com Luiz Carlos Souza de Oliveira se intensificou. Estimulou-me a me candidatar à presidência do Diretório da Faculdade, colaborava com nossas programações culturais, e passou a ser o amigo-conselheiro, daqueles que são nossas bússolas e nossos exemplos.

Caráter e personalidade marcantes, Luiz Carlos nunca foi adepto a tergiversações. Procurei-o, logo que me formei em direito, para informar-lhe que realizaria um concurso para a magistratura do Trabalho, tendo indicado seu nome para referências pessoais. Indagou-me se era o que eu queria, se estava preparado etc., concluindo que eu não deveria aventurar-me a fazer concursos, a não ser quando efetivamente tivesse certeza da magistratura a seguir, e, ainda assim, com um método de estudo bem disciplinado, para que o objetivo fosse alcançado. A advertência caiu-me perfeitamente; desisti do concurso, e segui à risca seus conselhos.

Em 1983, Luiz Carlos fundou o Centro de Estudos Jurídicos do Paraná, chamado ?Curso Professor Luiz Carlos?. Uma empreitada difícil, sem sede própria. As aulas, muitas vezes para poucos alunos, eram ministradas em salas de aula alugadas, nem sempre no mesmo local. A idéia do professor era a de fornecer aos candidatos a concursos a didática necessária ao seu sucesso. E passou a ser um especialista no assunto, suprindo todas as deficiências do ensino formal, que não visa aos concursos públicos, trabalhando o conteúdo do aluno de maneira a aproximá-lo do que pretendem as bancas dos certames.

Foi o pioneiro em cursos preparatórios para concursos públicos, e nunca almejou transformá-lo em faculdade, pois era coerente com seu ideal. E nem sempre teve margem de lucro nessa atividade.

Mas, como bom vanguardeiro, não desistiu.

Nesse seu propósito, Luiz Carlos sempre priorizou a didática e o estímulo que os professores do curso poderiam passar aos alunos. Muitos de seus alunos, em vários ramos de atividade (juízes, promotores de justiça, procuradores de justiça, delegados de polícia, advogados e desembargadores), têm a nítida lembrança do quão relevante foi o papel de Luiz Carlos numa área em que ninguém ousava dar o ponto de partida, inclusive com incursão no psicológico do candidato, a quem freqüentemente proferia palavras de estímulo e entusiasmo (gostava muito de falar em inspiração + transpiração como fórmula para a obtenção de êxito).

Nossas famílias se uniram a partir da década de 80, e não havia evento familiar em que não estivéssemos juntos. Visitaram-me em Portugal em 1993 (fui encontrá-los à saída da missa das 18 horas da Igreja de São Mamede em Lisboa, para onde se dirigiram tão logo se alojaram no Hotel Tivoli, de Lisboa), festejamos vários aniversários, dele, de Marilena, do neto e dos filhos, bem assim formaturas, bodas e a vitória dos cursistas em concursos públicos. Em meus 50 anos e em minha posse como desembargador, lá estavam os queridos amigos. Vibrava, como um pai, com as realizações de seu pupilo.

Luiz Carlos Souza de Oliveira, meu pai-amigo, telefonou-me no início da tarde de 27 de agosto do corrente ano, para agradecer-me pelo CD que lhe deixara no curso (Poesia falada Paulo Autran declamando Fernando Pessoa). Disse-lhe, na ocasião, que precisávamos realizar um encontro para conversar, ao que me respondeu que estava ocupado com fisioterapia pulmonar e com a reestruturação do curso, convidando-me para visitá-lo em seu novo escritório.

Naquela mesma tarde, ele não se sentiu bem. E começou, a partir de então, a lutar contra a morte. Três dias depois, num hotel em Buenos Aires, sinto um vazio em meu peito, quando minha esposa me repassou a notícia que recebera de Patrícia, nora do professor: morrera naquela madrugada Luiz Carlos Souza de Oliveira. Meu choro foi intenso, pois as mortes repentinas não preparam nossas almas para a perda de pessoas que são nossa referência de caráter, retidão, de firmeza de opinião e de coragem.

Perdemos todos uma pessoa que fez história, um vanguardista de talento, um membro intimorato do Ministério Público, um professor que mudou comportamentos, um pai, esposo, sogro e avô que elegia sua família como o assunto de sua preferência, e sobre ela discorria, com orgulho, com voz forte e com aquele sorriso aberto.

José Maurício Pinto de Almeida é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná e professor do Centro de Estudos Jurídicos do Paraná.

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