O primeiro Sete de Setembro do presidente Lula foi apoteótico, mas longe do povo. O megaespetáculo montado com a ajuda de publicitários, orçado em um milhão de reais, que pretendia ser uma festa eminentemente popular, foi, de fato, diferente, mas serviu também para distanciar o ex-sindicalista da plebe que saiu frustrada das cerimônias. “Fica para a próxima vez”, disseram resignados admiradores que, logo cedo, chegaram a invadir a arquibancada fechada para autoridades, contestando a reserva para a “panelinha” do Planalto.
A produção especial cuidou de tudo nessa primeira vez em que o tradicional desfile deixou o Setor Militar de Brasília para acontecer na Esplanada dos Ministérios. Até o tailleur da primeira-dama Marisa Letícia era amarelo, para combinar com o echarpe verde que estreava. Nesse orçamento de um milhão de reais para o espetáculo nem entrou o custo com as 30 mil bandeiras, com os cinco mil bonés, nem com os 60 mil panfletos que traziam a apelativa inscrição “7 de Setembro. Esta festa é nossa”. Na festa do povo, as principais autoridades foram distanciadas da massa para evitar o constrangimento de vaias e protestos. Tanto que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, sentenciou: “Foi um desfile diferente. Mas, de fato, o povo ficou mais de longe do que o costume”.
O novo estilo já vem sendo ensaiado há tempo. Lula deixou-se convencer de que a sua impulsiva mistura com o povo, caçadores de autógrafos, beijoqueiros, retirantes, andarilhos e coisas do gênero, caprichosamente cultivada naqueles primeiros dias, oferecia sérios riscos à integridade física da maior autoridade da República. Devem ser esquecidas, portanto, suas afirmações de que ninguém seria capaz de mudar esse seu comportamento, privando-lhe de uma rotina. É possível que para isso tenha contribuído inclusive a tentativa de assalto a seus filhos, em São Paulo, que custou a vida de um integrante da guarda destacada à garantia da segurança familiar do presidente.
Aliás, com o correr do tempo nesses nove meses, Lula tem se conformado com outras coisas que açodadamente dizia não compartilhar ou, no mínimo, repetia a linguagem do partido, sempre pronto a condenar as rotinas adotadas por “esse País que aí está”. E deve ser até divertido observar, como neste 7 de setembro, faixas com o velho e surrado “Soberania sim, Alca não”, quando ele mesmo já assinou declarações que encaminham o tratado dentro de prazos exíguos. Suas mudanças – e deve-se concordar com o presidente, segundo o qual estranhável seria se as pessoas nunca mudassem – estão influenciando pessoas e operando surpresas: também o líder máximo do MST – Movimento dos Sem Terra, João Pedro Stédile, já está reconhecendo a existência do FMI e que, apesar de soberano, o Brasil precisa dos créditos externos…
O exercício da presidência num regime como o nosso, presidencialista, é algo quase sem limites. Um único homem tanto pode fazer como bem desfazer muitas coisas, prestando contas, se quiser, apenas à sua própria consciência. Isso não aparece muito quando há sintonia com o povo, como naqueles primeiros dias do governo de Lula. Longe do povo, entretanto, as coisas ficam diversas. O temor da vaia e do protesto é só um – e o primeiro – degrau na escalada dessa montanha de poder sem contrafortes. Que Lula não se deixe vencer pelo argumento simplista e, tomadas as precauções necessárias à sua segurança, continue a cultivar o apreço ao povo que lhe notabilizou o estilo nos primeiros dias. Seria – e o ensaio desse Sete de Setembro mostrou claramente isso – uma decepção muito grande para milhões de Silvas e Josés se também este sonho de identidade lhes fosse sendo roubado com o passar do tempo.