Denominada por alguns, ainda, de “a nova lei do inquilinato”, a Lei Federal n.º 8.245, de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, não é mais tão “nova” assim.
Apesar de em vigor há aproximadamente vinte anos, algumas questões a ela relacionadas continuam gerando controvérsia e discussão.
Uma delas, a nosso ver de maneira absolutamente infundada, está relacionada à existência, ou não, de direito à renovação compulsória de contratos de locação, nos termos dos artigos 51 e 71 da Lei, que tenham por objeto espaços para estacionamento de veículos.
Isso porque, nos termos da expressa e clara ressalva contida no parágrafo único, letra “a”, item “2”, do artigo 1º da Lei, continuam regulados pelo Código Civil as locações “de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos”.
A locação de espaço para estacionamento de veículos, por força da expressa excludente contida no mencionado dispositivo, não é regulada pela Lei do Inquilinato, mas, exclusivamente, pelo Código Civil (mais precisamente pelas disposições contidas em seu Capítulo destinado à “Locação de Coisas”).
O Capítulo regulamentador dessa modalidade de locação (artigos 565/578 do Código Civil) evidenciará que, para a hipótese, inexistente o direito de renovação compulsória do contrato. Nesse sentido, a propósito, a apelação n.º 992.06.073470-0, da qual foi relator o i. Desembargador Ferraz Felizardo:
“locação – estacionamento de veículos em condomínio comercial – renovatória – inadmissibilidade – exceção expressa em lei – aplicação do código civil – inaplicabilidade da lei 8.245/91 – ação improcedente – recurso não provido.” (TJ/SP, 29ª Câmara D. Priv., j. 10.11.2010)
Na espécie, portanto, a renovação do contrato estará, sempre, condicionada ao consenso das partes contratantes, inexistindo mecanismo judicial que a imponha ao locador.
E há uma razão para a expressa exceção legal: é que, aqui, a relação jurídica encontra características e contornos muito mais intensos de prestação de serviços do que propriamente de locação. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da qual se destacam os seguintes precedentes:
“Ação Renovatória – espaço de estacionamento em shopping center – locação atípica com caráter de prestação de serviços – inaplicabilidade da lei 8.245/91 a impedir a renovação automática – recursos providos para extinguir o feito sem exame do mérito” (TJ/SP, 29ª Câmara D. Priv., Apelação n.º 755758-0/6, j. 14.09.2005, Rel. Des. Francisco Thomaz)
“O contrato de locação de espaço para estacionamento em condomínio edilício, firmado com empresa administradora, configura, na sua essência, mera terceirização dos serviços de estacionamento de veículos automotores.
Como os usuários se utilizam do espaço alugado, apenas como meio para a procura das atividades exercidas nas unidades condominiais, não conferem ao locador o reconhecimento de ponto ou fundo comercial protegido pela Lei n.º 8.245/91, na forma do art. 1º, parágrafo único, letra ‘a’, item 2, desse Diploma Legal, tais contratos são regidos pelo Código Civil.” (TJ/SP, 26ª Câmara D. Priv., Apelação n.º 1.251.655-00/2, j. 14.04.2009, Rel. Des. Norival Oliva)
No mesmo sentido, Gildo dos Santos anota que “a ampliação do fundo de comércio nos termos modernos não pode abarcar locação de imóvel utilizado para estacionamento de veículo, onde existe apenas prestação de serviços” (“Locação e despejo: comentários à Lei 8.245/91”, São Paulo, RT, 2004, pág. 354).
Portanto, ainda que a expressão “imóveis destinados ao comércio”, contida no artigo 51 da Lei, mereça interpretação extensiva (de forma que nela também sejam abrangidos imóveis industriais), certo é que não se pode admiti-la para efeito de renovação compulsória em casos onde não exista fundo de comércio próprio do locatário.
As pessoas que se utilizam do serviço prestado pela empresa de estacionamento não estão ali em busca do seu serviço em si, mas à procura das empresas ou profissionais que no local mantém seus escritórios.
Conforme assinalado pelo i. Ministro Fontes de Alencar, do Superior Tribunal de Justiça, o direito à renovação compulsória “visa proteger o fundo de comércio e o mero estacionamento de veículos não comporta a noção de fundo de comércio, nem mesmo aquela noção de fundo de comércio atípico, porque quem explora estacionamento de veículos simplesmente não opera atos de comércio” (REsp nº 4.364-MG).
Dessa forma, inexistindo o direito de renovação compulsória do contrato de locação de espaços destinados a estacionamentos de veículos, a sua renovação estará inevitavelmente condicionada ao consenso entre locador e locatário.
Caio Mário Fiorini Barbosa é sócio da Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, especialista em direito imobiliário.