Literatura e brigas de galo

Alguns fatos atuais parecem de outros tempos, aqueles tempos antigos narrados pela literatura do início do século XX. Pelo menos, inserem-se exatamente naquele contexto. É o que nos leva a acreditar quando nos deparamos com a notícia de que um tal Duda Mendonça foi preso por envolvimento com “rinhas de galo”. Não é bem assim. Não é apenas uma tal fulano, mas ele parece representar o supra-sumo da intelligentsia nacional. Mas por que brigas de galo?

Ao ser preso em flagrante no Clube Privê Cinco Estrelas no Rio de Janeiro, por estar em desacordo com o Código Penal (Artigos 287/288) e a Lei de Crimes Ambientais (Art. 32), o Sr. Duda Mendonça declarou serem as rinhas de galo seu passatempo preferido. Um passatempo doloroso para os pobres animais, mas muito divertido para alguns fulanos.

A verdade é que este fato nos levou imediatamente às páginas do livro Clara dos Anjos (1922) de Lima Barreto, onde há um personagem que sobrevive desta atividade. Trata-se de Cassi Jones, o modinheiro que seduz a ingênua Clara. Este figura-se como o personagem mais mal-caráter do livro. O narrador o reveste com uma indumentária de péssima companhia. Cassi Jones, de acordo com a história, não é digno de confiança e não respeita nem seus próprios pais. Ele não tem a mínima idéia do que significa ter caráter. A menina Clara era um de seus objetivos e ele aproveitou-se de sua inocência e de sua pobreza para enganá-la. O personagem não tinha o menor escrúpulo em afastar qualquer obstáculo para conseguir o que desejava. Seu desejo era Clara dos Anjos.

Dignidade e ética, eram termos inexistentes no dicionário de Cassi Jones, o eixo central do conflito e da discórdia, aquele que trouxe sofrimento para Clara, seus familiares e amigos.

No entanto, o mais fantástico, em Lima Barreto, foi o fato de relacionar o personagem com as brigas de galo. Nada poderia ser mais comprometedor do que esta atividade sórdida. Os galos representavam muito para Cassi Jones que, afinal, os vendeu para fugir mais uma vez: ” … Galos de briga eram a força de suas indústrias e do seu comércio equívocos. Às vezes, ganhava bom dinheiro nas apostas de rinhadeiro, o que vinha ressarcir prejuízos…”. E mais: “… Com os galos fazia todas as operações possíveis, para ganhar dinheiro: Barganhava-os com “volta”… presenteava pessoas importantes, das quais supusesse um dia, precisar do auxílio e préstimos delas, contra a polícia e a justiça…” (Barreto, 40/41).

Além deste, o livro O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho, publicado em l964, faz menção a esta prática e indica o horrível significado destas brigas: “Almejava que aprendesse todas as artimanhas das rinhas, pegasse esporão de faca, asa de gavião, coice de mula: -Quero ver esse danadinho mais apetrechado que um trem de guerra”. Mas o Coronel não tinha a aprovação de todos: “Padre Malaquias, ao lado de Francisquinha e demais agregados do Sobradinho, ficava de resmunguice por não apreciar maldade contra os bichinhos de Deus” (Carvalho,102/103). Muito interessante também, neste livro é o “Clube Privê” do Coronel Ponciano: ” A rinha era de conforto. Cadeiras de palhinha rente do picadeiro e, em volta, bancos de madeira, uns empoleirados nos outros, talqualmente um circo de cavalinho…. tive lugar de honra, em camarote especial, bem na boca da rinha” (Carvalho,115).

No entanto, estes são personagens de Romances, seres de papel. Em Lima Barreto, a associação entre o caráter do personagem Cassi Jones e o ritual das brigas de galo é muito significativo e crítico. Por sua vez, José Cândido de Carvalho sugere uma argumentação cômica aos personagens que praticam este “esporte”. Desta forma, ambas as obras trazem uma temática que inacreditavelmente não se trata apenas de ficção, pelo contrário, é parte de nossa crua realidade.

Maria Helena de Moura Arias

é jornalista e mestre em Literatura Brasileira.

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