Limites do corporativismo

Se o movimento sindical brasileiro não extrapolar os limites do corporativismo, os sindicatos – todos eles – estarão fadados a representar cada vez menor número de pessoas. A advertência foi feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o lançamento do Fórum Nacional do Trabalho, na terça-feira. O Fórum tem o objetivo principal de levantar propostas e encaminhar o debate para uma das mais importantes reformas que estão por vir – a reforma da legislação sindical e trabalhista do País, completamente anacrônica e ainda não de todo desatrelada do modelo fascista da Carta del Lavoro, de quase um século atrás.

A advertência procede e é oportuna. O corporativismo extremado de algumas categorias, alheias à realidade social da maioria dos brasileiros, está colocando em risco os objetivos mais amplos da reforma da Previdência e, a continuar assim, haverá, sempre, de ser um entrave às demais mudanças. Um sindicalismo que atende ao comando egocentrista da categoria, e não da plural ideologia, como em muitos outros países, sem dúvida contribui para acentuar as distorções e diferenças entre pessoas que desenvolvem trabalhos equivalentes, mas pertencem a sindicatos diferentes, embora trabalhem, muitas vezes, para a mesma empresa. O problema mais sério, entretanto, não é esse.

A população brasileira ativa, que trabalha com carteira assinada, soma aproximadamente 40 milhões de pessoas. São empregados que, em tese, dispõem de benefícios que a legislação confere a todos – dos previdenciários aos pessoais, especiais e coletivos. Existe, entretanto, um outro universo, maior que o primeiro, que, à margem de tudo e todos, trabalha pela sobrevivência diária sem lenço nem documento. Nem sindicato. Portanto, sem nenhum direito assegurado, nem perspectiva imediata de tê-lo. E esse mercado informal, assim como esses trabalhadores irregulares, interessam tanto à nação quanto os primeiros. Se a realidade social é assim brutal, há outro fator importante a ser considerado em nome do interesse plural, este ligado às mudanças impostas pelo sistema moderno de trabalho, quer em decorrência da onda globalizante da economia, da informatização crescente, quer das novas formas de prestação de serviço, já não mais enquadradas nas ultrapassadas normas gerais e classificações especiais.

Forjado em épocas outras, num modelo sindical corporativista que já cumpriu o seu papel, Lula é agora a voz autorizada a fustigar seus antigos companheiros e toda uma geração de novos sindicalistas à busca de um bom motivo para lutar. E a boa luta, segundo aponta, pode ser esta de “flexibilizar” – embora o termo ainda lhe deva causar calafrios – normas, contratos e a própria legislação, tal qualmente propunha o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu “modelo neoliberal”. “Quando falamos em direitos, estamos falando para quem?” – pergunta o ex-metalúrgico. E ele próprio responde com outras perguntas: “Para nós, que temos direitos? E os milhões que não conseguem um emprego? E os milhões que estão na economia informal?”.

Lula, que já trombou em tão curto período com o funcionalismo público, com a magistratura e com tantos outros, pode estar diante de futuros novos adversários, adeptos da contribuição sindical (e daquela confederativa também) obrigatória ou da chamada unicidade sindical, que os constituintes de 1988 enfraqueceram, mas não conseguiram quebrar. Desmontar essa cultura corporativista brasileira, que se metamorfoseia em argumentos sofisticados e muito bem elaborados, como os que se acaba de assistir nos embates da reforma previdenciária, não é tarefa fácil. Mas quem disse que seria fácil governar o Brasil do jeitinho que corrompe e das diferenças sociais que produzem a insensibilidade que por vezes domina o próprio governo, sempre cioso de sua parte – os pesados encargos sociais que também são fonte do desemprego?

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