Neste jovem país de velhas mazelas, o espetáculo de centenas de crianças ocupando a Câmara dos Deputados, em Brasília, fazendo as vezes de representantes eleitos do povo, foi importante lição de cidadania. Aula para as crianças que participaram desse inusitado evento e lição também e principalmente para o resto da nação, os adultos e as crianças que lá não estavam, mas puderam ver plantada uma semente que oxalá não tenha sido um simples espetáculo para a televisão. Crianças ocuparam o plenário, ciosas de seus papéis de deputados e outras foram à mesa para comandar os trabalhos. Um teatro que muito pode servir para, desde já, ensinar ao país o que é uma verdadeira democracia e como praticá-la.
Inegável que nesta campanha eleitoral demos passos largos rumo ao aperfeiçoamento das instituições. Talvez quem mais contribuiu para isso tenha sido a própria Justiça Eleitoral, que, usando de todos os meios de divulgação ao seu alcance, fez campanha pelo voto consciente, ensinando aos eleitores quais seus verdadeiros direitos e que papel devem exercer enquanto durarem os mandatos outorgados. Ao povo se disse que ele é patrão e não empregado dos governantes, sejam legisladores ou executivos. Insistentemente foi repetido aos eleitores que não só podem, como devem, uma vez eleitos os homens públicos de sua preferência, deles cobrar as promessas feitas em campanha; a boa gestão da coisa pública; a feitura de leis conseqüentes e justas e a implantação do reinado da justiça. Que mandatos conquistados nas urnas são procurações outorgadas pelos eleitores para fazerem o que das funções para as quais foram eleitos se espera. Que não é lícito os políticos usarem tais mandatos em benefício próprio, nem mesmo de partidos ou grupos. Os partidos são instrumentos da boa gestão e não sua clientela.
As crianças, nessa sessão histórica que nada tinha de mentirinha, embora fosse teatralização, encerraram aconselhando a implantação em todas as escolas brasileiras de uma matéria que ensine cidadania, ou seja, como se insere no contexto da sociedade cada cidadão, que direitos e deveres para com ela tem e que, se outorga poderes para que os eleitos os pratiquem, pode e deve isso cobrar não a cada quatro anos, mas todos os dias.
O brasileiro ingressa na escola e dela sai sem aprender como funcionam os poderes da República, dos estados e municípios. Da pirâmide dos poderes e seus órgãos executores nada aprendem, nem mesmo a distribuição espacial das obrigações dos órgãos públicos. Isso, para não falarmos da ausência do ensino profissionalizante, das dificuldades de ingresso e acesso no ensino regular e outros temas tão bem e em tão boa hora levantados pelo candidato derrotado Christovam Buarque, ex-ministro da Educação de Lula, que colocou a educação em primeiríssimo plano. O ensino da cidadania, recomendado pelas crianças reunidas em Brasília, é o ingrediente número um, indispensável.
Passadas as eleições, certamente virão frustrações. Seja lá quem for que ganhe, irá decepcionar a uma parcela da nação fazendo o que não deve e principalmente não fazendo o que deve. Mas a sociedade sai desta campanha melhor preparada para distinguir os desvios e os desacertos e a boa escolha dos melhores caminhos. Com o ensino da cidadania, que deve ser obrigatório nas escolas e ser ministrado também por outras organizações, como associações e sindicatos, os pleitos futuros darão mais largos passos rumo a um Brasil em que a ética não mais seja objeto de mofo e qualidade dispensável. E a eficiência e obediência ao patrão povo uma obrigação inescapável.