Marta Morais da Costa (PUCPR/UFPR)
Em 11 de janeiro de 2005, foi divulgada, no jornal Folha de São Paulo, pesquisa realizada pelo Ibope sobre a permanência dos espectadores diante da tela da televisão. As mulheres vencem os homens: são 54,89% de espectadoras ante 45,11% de homens, aliada ao fato de elas assistirem, por dia, à incrível soma de 5h08min12s e eles, apenas 4h36min43s!
Quando se trata de classe social (A,B,C,D,E), vencem as classes D e E, com 5h11min51s. E os adultos com mais de 50 anos, permanecem por mais tempo diante da telinha: 5h28min59s. O mais estarrecedor é que ninguém homem, mulher, criança, adolescente ou adulto fica menos de 4h22min43s diárias assistindo à TV!
É mais do que um sexto de cada dia da semana de espetáculo e de exposição ao consumo.
Uma situação que envolve tanto a sociedade brasileira, uma dedicação tão intensa a um veículo de comunicação, uma disponibilidade tão fiel, merecem ser consideradas por qualquer educador ao pensar como se formam os modos de interpretação, as influências que as imagens e palavras têm sobre a formação do imaginário coletivo, a ideologia que se estabelece a partir desse veículo e de sua utilização. Enfim, que história de sentidos, símbolos, exemplos de narrativas, uso da língua, expectativa de ritmos, imagens, cores e sons é criada como resultado dessa exposição.
Confesso não ser uma telespectadora voraz, mas não demonizo o veículo, nem parte de sua programação. Procuro, isto sim, entender como chegam aos diferentes níveis da escola formal e o que acontece durante o tempo em que lá permanecem os nossos alunos (crianças, adolescentes, jovens e, até mesmo, adultos). Quando, ao necessitar, no trabalho com a literatura, estabelecer pontos de comparação e de referência, quais são os argumentos, quais são os exemplos de que necessito lançar mão para ser entendida.
Há algum tempo, escrevi um pequeno texto que ainda considero válido e foi escrito a partir de um debate sobre as relações entre a comunicação de massa e a educação, realizado por pesquisadores e professores da PUCPR. Motivada pela pesquisa recente do Ibope e estimulada pela série Hoje é dia de Maria, da Rede Globo sinal de inteligência na TV retomei minhas palavras, a seguir expostas, com pequenas alterações.
"Foi a postura inovadora do pai, Marshall McLuhan, ao criar uma definição-síntese da cultura dos anos 60 "o meio é a mensagem? – que motivou o filho pesquisador, Eric McLuhan, a aplicar noções e termos mais bélicos ao assunto da comunicação e propor uma batalha virtual dos meios de comunicação entre si (televisão x cinema x leitura x fotografia), e deles com a cultura (evasão, emoções, uso da tecnologia). O caráter belicista expandiu-se para os comportamentos diante da televisão: ele execra a passividade da leitura emocional e de imagens, e adverte para a atividade danosa dessa linguagem sobre o cérebro.
De todos os meios criados pela sociedade ao longo dos tempos, a televisão talvez seja o mais atraente e o de mais fácil acesso. Mas a discussão entre meio e desligamento do real é mais antiga: o grande escritor francês Flaubert apresentava no romance Madame Bovary (1857) a personagem Ema, cuja razão fora adormecida para que as emoções pudessem reinar absolutas. A causa? Os romances sentimentais!
Alguém, em sã consciência, é capaz de afirmar que filmes de terror ou thrillers enriquecem a razão humana só porque estimulam os dois hemisférios cerebrais? O fato de o computador – assim como a televisão – se utilizar de cores básicas, torna esse meio de informação e fantástico banco de dados em fonte de evasão?
Acreditar que a justificativa de evasão seja motivo suficiente para provocar o afastamento do público de todas as idades, crenças e profissões da frente de uma tela acesa, barulhenta e dinâmica é uma demonstração de ingenuidade. A evasão pode ser um valor tão importante quanto a razão para indivíduos impossibilitados de superar as diferenças de educação e de oportunidades de melhoria de vida. A evasão pode funcionar como compensação para uma vida sem horizontes. Quem se detém, mesmo que rapidamente, diante da TV em busca de material de pesquisa e análise, percebe, com a rapidez do raio laser e da fibra ótica, que a programação e os interesses mercadológicos é que, intencionalmente, reduzem os espectadores ao estado de amebas com carteira de identidade.
Vivemos uma época em que a desrazão é o melhor atestado da existência da razão. E que, de maneira racional, se programa um ataque terrorista e um revide no Afeganistão. No momento em que a intelectualidade se recusa a continuar acreditando em dualismos opositivos, como razão x evasão; televisão x leitura e tela x público, persistir neles é retrocesso.
Um menino frente à tela somente se evadirá ao real e ao racional se todos os seus antecedentes culturais, a satisfação afetiva, os estímulos lúdicos prazerosos e as trocas simbólicas significativas não existirem. O desamparo social, afetivo, cultural e simbólico provoca dores e sofrimentos interiores intensos. A evasão converte-se, nesse caso, em rota de sobrevivência.
A televisão não faz "perder a paciência para a leitura", como afirma Eric McLuhan, visto que esta não é um ato massacrante e tedioso, com o qual se deva ter "paciência". Um leitor com formação efetiva e crítica lê, apesar do televisor ligado à sua frente. São linguagens diferentes com poderes diversificados. Co-habitam o cérebro. O futuro da cultura não pode ser vista com pessimismo. Fazemos a cultura de amanhã em todos os momentos do presente.
Empresários, programadores, publicitários, artistas e técnicos trabalham racionalmente para produzir o lixo cultural de hoje, que não é voltado exclusivamente para as emoções (ainda um valor cerebral), mas para o instinto, sobretudo o sexual. A evasão e a destruição da razão fazem parte do projeto ideológico da elite que domina os meios de comunicação (em si, meios sem razão e sem emoções) para anestesiar a vontade política e crítica geral. Erigir músculos e nádegas em projetos de vida é antes questão ética e política do que tecnológica ou emocional.
Antes de demonizar a televisão, seria mais conveniente expulsar os anjos luceferinos que comandam, com decisões tomadas do alto da inteligência e da razão, as mesas de botões e canais.