Leitura e escrita: nossas limitações de cada dia

Teorias prometendo soluções mágicas para resolver os problemas da leitura e da escrita pipocam todos os dias. Não obstante, livros que prometem milagres se espalham país afora. Pensam em leitura como se tivessem pensando automaticamente em escrita e isso só não é suficiente, porque embora as duas coisas sejam interdependentes, não são iguais e partem de princípios muitas vezes distintos.

Iser, Eco, Calvino, e uma porção de outros autores, já cânones na discussão da leitura, apontam reflexões. Alguns na mesma direção, outros em sentidos absolutamente antagônicos e outros em sentido nenhum, apenas permanecem na retórica, talvez no papel cômodo do intelectual orgânico. Alguns tomam partido, outros fazem poluir os lados, outros ficam sem ir para as reflexões ou para as práticas, outros ainda percorrem um caminho margeando o cerne da questão, com medo de atacá-lo, mas quase nenhum assume, em relação à escrita, que no processo de tessitura dos textos há uma espécie de alquimia, um feitiço inexplicável, e, para tal, ainda precisamos muito conversar.

Alguns autores chegam a afirmar a morte do autor. Uns se debruçam sobre a percepção e sobre a recepção dos textos, outros acerca da influência do leitor sobre aquilo já escrito. Mais além, há aqueles que negam o texto como individualidade, organismo autônomo. Ninguém assume categoricamente: os ingredientes que o ?feiticeiro? usa para executar seu trabalho podem até ser apresentados pela escola, mas cada um desenvolve suas pequenas poções mágicas, às vezes até por acaso, e essas, uma vez copiadas, são facilmente localizadas. É o produto falsificado perante o original. A escola pode até possibilitar as primeiras receitas, aquelas do trivial, mas o que chamamos de estilo de escrita, esse não há, por mais que se queiram receitas que possam ser reproduzidas.

A fórmula descoberta pelo feiticeiro-escritor funciona como uma espécie de DNA do seu processo de escrita. Ao longo dos tempos, pessoas até tentarão copiar aquilo que acreditam ser o modelo, a receita ou a fórmula misteriosa para chegar ao resultado condizente ou parecido e até mesmo igual, se esquecendo que, nas mãos do feiticeiro está parte do segredo, parte cujo funcionamento muitas vezes ele mesmo desconhece, cabendo-lhe apenas, enquanto alquimista, desenvolvê-lo quando necessário. Não entendam isso como se a escrita fosse um processo mágico baseado no dom divino de sabedoria. Ela não o é, e prova disso é a possibilidade de desenvolver tudo cognitivamente, resguardando a cada autor sua individualidade, seu DNA.

Tomá-lo, só parcialmente, não como totalidade. Poderemos ingressar como parte na constituição do novo ser, muito embora suas verdadeiras identidades possam permanecer intocáveis; é o mágico da escrita que não podemos absorver uns dos outros. É o estilo.

A força da escola está no processo de garantir que pelo menos o trivial (iniciação) possa fazer parte das ações do autor. Para isso temos competências. Podemos garantir que o desenvolvimento satisfatório possa ser uma realidade nas mãos do aluno que agora precisa impor o lápis perante o papel e desenvolver idéias, tessituras das mais diversas, cada uma cumprindo um objetivo. O tempo que temos para trabalhar com a escrita na sala de aula e a quantidade de alunos que possuímos muitas vezes já respondem as nossas utopias de que é possível ir além. É importante saber que a escola, enquanto espaço de coletividade, precisa de certa forma organizar isso no todo. Haverá sempre uns que vão adiante, outros que vão somente aonde foram levados e outros que se perderam na tentativa de sair do lugar onde se encontram. Tudo isso se conflui em uma sala de aula e é essa a realidade com a qual estamos trabalhando no ensino fundamental e médio. É preciso garantir o essencial a todos e o algo mais, o potencial acima daquilo que é o elementar em termos de competências, fica na dimensão do estímulo, do fomento, da projeção.

Pode ser que o nosso trabalho como educador não dê conta de solucionar os problemas da escrita e da leitura na escola, mas certamente sem se comprometer com ele, a cidadania deixaria quase nenhum rastro no céu.

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