Guilherme Tomizawa

Lei paranense das “Lan-Houses”, a quem se beneficia?

Recentemente entrou em vigor a Lei Estadual n.º 16.241/2009 vulgarmente conhecida como “lei das lan-houses” que trata da obrigatoriedade de instalação de câmeras que identifiquem o rosto dos usuários dos computadores nesses tipos de estabelecimentos.

As informações terão que ser armazenadas por meio eletrônico e fica proibida a divulgação, exceto mediante expressa autorização do cliente, pedido formal de seu representante legal ou por ordem judicial. Na presente lei, em seu artigo 2º, reza o dispositivo que os cadastros dos clientes terão que ser mantidos e atualizados por um prazo de dois anos, onde conterão o n.º do RG do usuário, seu endereço, telefone, e equipamento usado contendo os horários do início e término da utilização, e por fim, o endereço IP da máquina, espécie de registro individual que cada computador possui, como se fosse um nº de Registro Geral da pessoa física.

É inegável que a classe judiciária e a sociedade em geral em sua amplitude é totalmente favorável a uma medida capaz de solucionar crimes e repudiar a tolerância à impunidade no cometimento dos mesmos. Todavia é necessário a priori, tecer algumas considerações acerca da vigência do mesmo.

Segundo o Núcleo de Combate a Cibercrimes (Nuciber), da Polícia Civil de Curitiba, 30% (trinta por cento) dos crimes pela internet no Estado são cometidos nesses estabelecimentos, a pergunta que fica no ar é: e os outros 70%?

Logicamente a resposta é simples, estão nas redes de acesso gratuita (wireless), sem-fio, facilmente localizadas em aeroportos, universidades, faculdades, livrarias, bares, shoppings, faróis-do-saber (acesso local), cafeterias, pequenas lojas e comércios em geral, dentre outros, onde a mesma não atinge, em outras palavras, a lei é totalmente omissa e falível.

Outro ponto falho, segundo os próprios autores da presente lei, é que a fiscalização ficará a cargo dos proprietários dos estabelecimentos. As lan-houses que descumprirem a lei poderão responder criminalmente a partir de práticas ilícitas perpetradas por indivíduos de índole questionável, através dos computadores em rede de tais estabelecimentos.

Fora que dará azo a diversos tipos de interpretações no tocante a responsabilidade civil desses prestadores de serviços, já que o projeto de lei federal das lan-houses (PLS n.º 296/08 – que obriga os estabelecimentos de locação de terminais de computadores a manterem cadastro de seus usuários, por um período de três anos) arbitra que a multa ficará em torno de R$ 10.000,00 à R$ 100.000,00, incluindo perda de alvará de funcionamento, em caso de reincidência, um disparate legislativo – desproporcional e surreal à cultura brasileira, já que muitas leis de nosso país se originaram dos costumes.

Será que no Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro onde já existe legislação vigorando (respectivamente, leis n.º 3.103/05, 12.228/06 e 5.132/07) sob o mesmo tema, está realmente se fiscalizando tais estabelecimentos? Diminuiram-se de fato os crimes praticados pela Internet? A lei paranaense sequer menciona a penalidade aos infratores ou sua forma de fiscalização.

Confeccionada às pressas, a lei estadual dá ensejo a uma interpretação extensiva, já que não se sabe ao certo a definição do vocábulo estabelecimento? A lei também é falha, pois em seu art. 1.º, caput, faz menção somente a estabelecimentos “voltados a comercialização”, e os locais de acesso gratuito como ficam?

O que mais preocupa os usuários e operadores de direito é a violação de direitos fundamentais, tais como a privacidade do internauta. A suposta segurança do cidadão justificaria a perda da intimidade do mesmo? É notória a colisão de princípios fundamentais. Quem prevalece em detrimento de outro? Será um tema ainda que dará muito terreno fértil para discussões futuras…

Outro ponto que deve ser levado em consideração, é a questão econômica das micro-empresas, pequenas lan-houses em bairros menores, ou que estão iniciando seus negócios, pequenos estabelecimentos, agora com a nova lei em vigor deverão instalar um banco de dados “pesado” contendo informações pessoais dos usuários, fora que terão gastos “não previstos” com instalação de diversas câmeras em seus respectivos estabelecimentos.

Leis devem existir para regular condutas numa sociedade, o Estado tem, entre diversas funções, o papel de criminalizar condutas e manter a ordem num Estado Democrático de Direito; o Legislativo, por sua vez, tem sua relevância em elaborar normas e preceitos para vivermos harmonicamente em coletividade, visando a paz e a segurança das relações jurídicas, entretanto, a questão que perdura no ar é: quem realmente se beneficiará com a vigência do mesmo? a “certeza” da segurança dos concidadãos através da edição de tal Lei é bem jurídico que deve ser tutelado e privilegiado em detrimento de nossa privacidade e intimidade como indivíduos dessa mesma sociedade?

Guilherme Tomizawa é advogado e professor de Direito Civil da OPET – PR. Mestre em Direito pela UGF – RJ e membro do IBDE (Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico). Publicou em 2008 o livro “A invasão de privacidade através da Internet” pela JM Livraria Jurídica.

gtadvocacia @hotmail.com.

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