Está em curso, no Tribunal de Justiça, uma ação direta de inconstitucionalidade (n.º 373.549-1) na qual o Conselho Seccional da OAB/PR questiona três dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas – LC n.º 113/2005. Um deles (art. 38, § 3.º), acarreta despesa sem indicar a fonte orçamentária, e os demais (art. 138, I e 140, §§ 4.º e 5.º) estabelecem regras atenuantes de impedimentos negociais aos Conselheiros.
É elogiável a referida iniciativa, pois a OAB/PR não se tem valido da originária legitimidade processual para instaurar o sistema de controle em tese da constitucionalidade dos atos normativos em geral, sobretudo por estar dispensada de demonstrar a pertinência temática com qualquer matéria.
Deve, portanto, a OAB ser encorajada a prosseguir na relevante tarefa de vigiar a pureza constitucional da ordem jurídica do Estado e dos Municípios, prestando assim mais uma contribuição à sociedade paranaense.
Subsídios, seguramente, não lhe faltarão.
Dito e feito.
Na ação proposta, já cabia a argüição da inconstitucionalidade encerrada na autoqualificação da Lei Orgânica do Tribunal de Contas como lei complementar. E isto porque o Supremo Tribunal firmou orientação no sentido de que só é exigível lei complementar quando a Constituição expressamente a ela faz alusão com referência à determinada matéria (ADIN 2.028-DF – RTJ 174/58). Em sua monografia sobre o tema, Celso Ribeiro Bastos define essa espécie normativa como ?aquela que contempla uma matéria a ela entregue de forma exclusiva e que, em conseqüência, repele normações heterogêneas, aprovada mediante um quorum próprio de maioria absoluta? (Lei Complementar – Teoria e Comentários, Saraiva, 1985, p. 17). Manoel Gonçalves Ferreira Filho conclui o comentário ao art. 50 da CF/69, matriz do art. 69 da CF/88 (maioria absoluta à lei complementar), com esta asserção: ?só nos casos previstos expressamente na Constituição cabe lei complementar stricto sensu. É esse o entender de Nelson de Souza Sampaio (O processo Legislativo, pág. 39), de Geraldo Ataliba (Lei Complementar na Constituição, pág. 31), entre outros, como o que já sustentávamos em 1968 (Do Processo…, cit.)?. (Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, 1985, 5.ª ed., p. 274).
Duas são, portanto, as características distintivas da lei complementar marcadas pela Constituição: a especificidade do objeto e o quorum qualificado (art. 69 da CE e da CF).
Pois bem. A Constituição do Paraná não preconiza nem sequer implicitamente lei complementar para dispor sobre a estrutura do Tribunal de Contas, embora a indique para a organização do Ministério Público (art. 118) e da Procuradoria Geral do Estado (art. 124), por exemplo. A observação de Geraldo Ataliba de que ?o Congresso Nacional não faz lei complementar à sua vontade, ao seu talante? (Interpretação no Direito Tributário, Saraiva, 1975, p. 131) aplica-se à Assembléia Legislativa.
Debalde uns e outros tentarão desqualificar esta objeção acoimando-a de formalista, ou eliminá-la sob o brocardo jurídico privatístico segundo o qual quem pode o mais pode o menos. Sucede que o quorum qualificado a que foi submetida a Lei Orgânica do Tribunal de Contas, desobedeceu o procedimento próprio da lei ordinária cuja aprovação requer a maioria simples, conforme estatuído expressamente pelo art. 56 da vigente Carta do Paraná, nos mesmos termos do art. 47 da CF/88. Diversas leis, em cuja elaboração o quorum constitucional foi desatendido, foram retiradas do mundo jurídico pelo nosso Tribunal de Justiça (v. Acórdãos nº.s. 1.711, Rel. Des. O. Sponholz; 1734, Rel. Des. S. Zappa; 2.409, Rel. Des. P. Rocha; 4124, Rel. Des. T. Costa e 5.702, Rel. Des. A. Zattar, todos do Tribunal de Justiça/PR).
Além da violação ao dispositivo constitucional regente do quorum deliberativo, as modificações da Lei Complementar 113/2005 dependeriam do voto da maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, circunstância que cerceia o direito da minoria parlamentar de nela introduzir matéria nova ou suprimir as reputadas inconvenientes.
Ainda que a focalizada lei fosse ordinária, seriam igualmente inconstitucionais os dispositivos adiante referidos: art. 53 – aplicação pelo TC de medidas cautelares determinativas de afastamento temporário do dirigente do órgão ou entidade, indisponibilidade de bens, exibição de documentos, dados informatizados e outras medidas inominadas de caráter urgente; arts. 54, II, e 57 – elegem um boletim interno, semanal, denominado ?Atos Oficiais do Tribunal de Contas? como instrumento de intimação e publicidade dos seus atos, em lugar do Diário Oficial do Estado; arts. 85, 86, 89, II, 96 e 97 – instituem sanções, como multas de valor ilimitado, inabilitação para o exercício de cargo comissionado e proibição de contratar com o poder público estadual e municipal, invadindo a seara da Lei federal n.º 8.429/92 (Lei das Improbidades); § 3.º – isolado no contexto, em função do veto ao ?caput?, e invasor da autonomia municipal, pois exige relatório semestral circunstanciado das medidas judiciais de cobrança de créditos; art. 103 – constitui Fundo alimentado por multa de valor indefinido, e que penaliza o agente político, sem distingui-lo dos administradores e responsáveis por dinheiros e bens, como o faz o art. 71, VIII, da CF; art. 104 – destina parcela do Fundo composto com o produto de multa imposta a entidade municipal, para custear serviços administrativos e de controle social (?) de órgãos estaduais, tais como o Tribunal de Contas, escola (?) e a TV da Assembléia Legislativa; art. 169 – ratifica os Provimentos, atos normativos ?interna corporis? que afetam terceiros, editados sem base legal a fim de suprir as falhas da primitiva Lei n.º 5.615/67, e delega ao regimento interno poderes para legislar; art. 170 – determina o encaminhamento, ao TRE, da lista de responsáveis por contas julgadas irregulares, inclusive as do agente político – dependentes do exame do Legislativo.
O regimento interno do Tribunal de Contas, com seus 450 artigos, além das centenas de parágrafos, incisos e alíneas, é outro repositório de vastas e graves inconstitucionalidades, merecedoras de resenha apartada. Um exemplo: o art. 72 fixa em 60 dias as férias dos Procuradores transcendendo até mesmo os limites da lei.
Reginaldo Fanchin é advogado em Curitiba.