A assinatura do decreto que regulamenta a “Lei do Abate”, pelo presidente da República, autoriza a derrubada de aeronaves hostis ou suspeitas de estarem sendo usadas para o tráfico de drogas. Aclamada por alguns setores da opinião publicada, esta lei assinala um dos momentos mais monstruosos da história recente dos direitos humanos nesta nação – legaliza a execução extrajudicial, introduz a pena de morte em nosso sistema e passa por cima dos princípios da ampla defesa, do contraditório e da presunção de inocência, vigas-mestras do arcabouço institucional e do Direito em qualquer civilização.
A medida não teve a discussão necessária com a sociedade, e tem como patrocinador o governo dos Estados Unidos, que em sua ânsia de dominação geopolítica usa o combate ao narcotráfico para camuflar sua atuação imperialista no continente (e as versões de que o Império era contra essa lei eram apenas fumaça de cenário).
Leis com características idênticas foram implantadas também na Colômbia e no Peru, onde a derrubada das aeronaves se dá após ordens emitidas de aviões, pasmem, estadunidenses. Naqueles países, a Lei do Abate causou a morte de um número não determinado de inocentes, dentre eles a missionária Verônica Bowers e sua filha de sete meses de idade, Charity.
Se o fundamento da lei – proteger o território nacional de aeronaves sem identificação e barrar o tráfico de drogas – não merece reparos, a verdade é que os altos riscos envolvidos em operações do gênero e a possibilidade de penalizar com a morte pessoas inocentes (e mesmo os “culpados” sem o devido processo legal) representa um perigosíssimo ataque aos princípios basilares que norteiam o Estado Democrático de Direito.
Menos mal que, em meio ao alarido geral festejando o tiroteio, algumas vozes têm se manifestado contra a barbárie, e até proposto medidas alternativas. O Deputado Federal Fernando Gabeira, por exemplo, tem sido um destemido combatente desta monstruosidade, assim como o ex-secretário Nacional Antidrogas Walter Maierovitch. O empresário George Ermakoff, presidente da Rio-Sul Linhas Aéreas, sugeriu que ao invés de balas de metralhadora o avião suspeito fosse atingido por bolas de tinta (como nos jogos de paintball), para identificação e posterior verificação.
De qualquer forma, a sociedade brasileira precisa atentar para o fato de que este decreto, e a Lei do Abate em si (até a alcunha da lei é horrorosa), representam um revés pavoroso para os direitos humanos, e tomara logo seja reconhecida a sua flagrante inconstitucionalidade.
Paulo Roberto Pegoraro Junior
é membro da Comissão de Direitos Humanos da Subseção de Cascavel da Ordem dos Advogados do Brasil.