Lana caprina

Os debates, por mais acalorados e instrutivos, mais uma vez estão destinados ao arquivo morto. Quando a poeira baixar, ninguém mais estará interessado em falar sobre nepotismo, prática inaugurada no Brasil por Pero Vaz de Caminha, na famosa carta enviada ao rei de Portugal, escrita sob as frondosas mangueiras de Porto Seguro.

O escrivão da esquadra cabralina não poupou encômios à terra recém-descoberta, mas antes de passar o jamegão na missiva a el-rei, rogou-lhe a vênia de um emprego para o genro. A tradição iniciada por Caminha, depois de 505 anos, conta com uma multidão de sucessores leais, dispostos a fazer o impossível para mantê-la viva por muito tempo ainda.

Num país civilizado e digno dos foros da modernidade, uma discussão em torno do nepotismo, ainda mais no âmbito do Congresso Nacional, cuja gama de assuntos de interesse nacional à espera de encaminhamento é assustadora, a rigor, sequer deveria existir, sob pena de execração pública.

Aliás, é de justiça proclamar que tal desvio de caráter e hombridade no desempenho de função pública – a nomeação de parentes para cargos de confiança – em qualquer das três esferas de poder, somente será extirpado na medida que o clamor da sociedade organizada não der trégua, enquanto uma só irregularidade persistir.

É uma vergonha nomear mulher, pais, filhos, sobrinhos, genros ou noras para as chamadas funções gratificadas com o dinheiro dos contribuintes. Ao invés de discutir sobre lana caprina, assuma a maioria do Congresso a inteira responsabilidade do mandato e aprove uma lei instituindo a exigência de concurso público para todos os cargos, incluindo os de confiança.

Estará decretado o fim da farra das nomeações oportunistas, forma debochada e pouco sutil de transferir ao erário o gesto benevolente de garantir o aumento da renda familiar de tantos ilustres avestruzes.

Levante-se a sociedade e repita o desassombro da condenação do aumento abusivo que Severino Cavalcanti quis conceder aos deputados federais, do qual desistiu como um coelho assustado. A sociedade paga as contas e, só por isso, tem o direito de estancar as torneiras da insensatez.

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