O notável penalista brasileiro Damásio de Jesus (revista Consulex, n.º 135, ponto de vista), conta a história de um juiz, severamente religioso e sábio, que atuava numa cidadezinha do interior paulista, por demais contrariado, teve que negar a liberdade provisória a um réu, porque estava sendo ele acusado da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, que não admitia, nem admite, esse tipo de benefício (Lei Federal 8.072/90). O réu era de todos conhecido na pequena cidade e mantinha um comportamento social exemplar. Constrangido, ao negar o beneficio, o magistrado chorou copiosamente no momento de decidir, molhando algumas páginas dos autos do processo. Irresignado com a decisão contrária aos interesses do seu constituinte, o advogado de defesa recorreu em sede de hábeas corpus para o Tribunal de Justiça. Os julgadores da Corte Estadual estranharam algumas folhas do processo em que tinha sido manuscrita a decisão: estavam enrugadas e com manchas sobre as letras rabiscadas a tinta. ?Tão zeloso sempre foi este juiz?, disseram, ?como é que nos manda um processo todo manchado??. Só depois da morte do velho juiz a notícia se espalhou. Seu neto achou por bem contar a todos.
Numa sessão ordinária do Supremo Tribunal Federal realizada em 13/3/2001, juntamente com outros ministros da Corte Suprema, o ministro Sepúlveda Pertence, analisando uma possível inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos – que não admitia a progressão de regime (benefício que transfere o condenado do regime fechado para o semi-aberto, por exemplo) também não se conteve de emoção e soltou algumas lágrimas à vista dos seus pares, advogados e servidores públicos, simplesmente porque sua decisão era a de manter um réu na prisão que havia cometido um homicídio qualificado (crime hediondo) e por isso não fazia jus à progressão. O julgamento final foi pela constitucionalidade da Lei 8.072/90, entendendo o STF que ?tratando-se de crime hediondo ou assemelhado, não cabe progressão, cumprindo seja a pena executada integralmente em regime fechado?. Todos hão de perguntar: por que o ministro chorou? O fez porque o crime de tortura é assemelhado ao hediondo, mas admite a progressão de regime, por expressa disposição legal (Lei Federal 9.455/97).
No dia-a-dia da vida forense, quantos juízes choram e entristecidos decidem ao lado da lei e contrários muitas vezes aos seus instintos humanos? É impossível nominar ou quantificar as decisões que cotidianamente são tomadas em detrimento do seu mundo, em busca da paz social tão almejada por todos. São inúmeros os casos. Das mãos dos juízes brotam decisões que lidam com a liberdade, o patrimônio, a família e todos os demais conflitos sociais que as partes não souberam resolver pacificamente. De tudo decorre que a função de magistrado é um sacerdócio. Não se atinge a magistratura simplesmente pelo poder da sapiência, nem acreditando numa remuneração farta, pois mesmo que o faça sua frustração pessoal será terrivelmente maior e a sociedade bem que poderia abdicar dos seus serviços, ademais o juiz não recebe horas extras, jetons, licença prêmio e não faz greve.
É engano imaginar, por conseguinte, que o juiz não chora, não sofre, não se entristece. É falso afirmar, por fim, que o juiz é ?uma pedra de gelo?. Na prática ele reconhece suas limitações que, aliás, são intrínsecas aos seres humanos.
Adeildo Nunes é mestre em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa, juiz de Execução Penal em Pernambuco, membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e Professor Universitário.
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