Luiz Flávio Gomes

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Há três modelos de resolução dos conflitos penais (cf. GARCIA-PABLOS DE MOLINA e GOMES, L. F., Criminologia, 6. ed., São Paulo: RT, p. 398 e ss.):

(a) modelo dissuasório clássico, fundado na implacabilidade da resposta punitiva estatal, que seria suficiente para a reprovação e prevenção de futuros delitos. A pena contaria, portanto, com finalidade puramente retributiva. Neste Direito penal punitivista-retributivista não haveria espaço para nenhuma outra finalidade à pena (ressocialização, reparação dos danos etc.). Ao mal do crime o mal da pena. Nenhum delito pode escapar da inderrogabilidade da sanção e do castigo. Razões de justiça exigem um Direito penal inflexível, duro, inafastável, porque somente ele seria capaz de deter a criminalidade, por meio do contra-estímulo da pena;

(b) modelo ressocializador, que atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de ressocialização do infrator (prevenção especial positiva). Acreditou-se que o Direito penal poderia (eficazmente) intervir na pessoa do delinqüente, sobretudo quando ele estivesse preso, para melhorá-lo e reintegrá-lo à sociedade;

(c) modelo consensuado (ou consensual) de Justiça penal, fundado no acordo, no consenso, na transação, na conciliação, na mediação ou na negociação (plea bargaining).

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Dentro deste terceiro modelo (que se ancora no consenso) impõe-se distinguir dois sub-modelos bem diferenciados:

(a) modelo pacificador ou restaurativo (Justiça restaurativa, que visa à pacificação interpessoal e social do conflito, reparação dos danos à vítima, satisfação das expectativas de paz social da comunidade etc.) e

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(b) modelo da Justiça criminal negociada (que tem por base a confissão do delito, assunção de culpabilidade, acordo sobre a quantidade da pena, incluindo a prisional, perda de bens, reparação dos danos, forma de execução da pena etc., ou seja, o plea bargaining).

Diante do que acaba de ser exposto, parece correto (e necessário) distinguir, no âmbito da Justiça criminal, atualmente, o ?espaço de consenso? do ?espaço de conflito?. Aquele resolve o conflito penal mediante conciliação, transação, acordo, mediação ou negociação. Este não admite qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal (denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). O modelo consensual pertence ao primeiro espaço (do consenso); os modelos punitivistas (dissuasório e ressocializador) integram o segundo espaço (do conflito).

Mas não existe um só modelo consensual de Justiça penal. Em outras palavras, dentro do espaço de consenso (da Justiça consensuada) impõe-se bem definir e distinguir as múltiplas formas de resolução dos conflitos penais: (a) conciliação, (b) mediação e (c) negociação.

A conciliação é típica dos juizados criminais no nosso país. Ela é dirigida pelo juiz (ou conciliador) e visa, sobretudo, à reparação dos danos em favor da vítima. Busca-se pela conciliação (que é um gênero) tanto a reparação ou composição civil como a transação penal (que são suas espécies). Essa forma de resolução de conflitos só é apropriada para as infrações penais menos graves, que se denominam no nosso país ?infrações penais de menor potencial ofensivo? (legalmente são as infrações punidas com pena máxima não superior a dois anos, nos termos das Leis 9.099/1995 e 11.313/2006).

A mediação é, na atualidade, a forma predileta de resolução de conflitos da chamada Justiça restaurativa (cf. SICA, Leonardo, Justiça restaurativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007). Por meio dela, que deve ser dirigida por terceiros imparciais (mediadores profissionais), objetiva-se a integração social de todos os envolvidos no problema, a preservação da liberdade, a ampliação dos espaços democráticos dentro da Justiça penal, redução do sentido aflitivo e retributivo da pena, superação da filosofia do castigo a todo preço, restauração do valor da norma violada, da paz jurídica e social etc. A mediação não pode ser concebida como uma panacéia porque parece válida apenas para alguns delitos (normalmente de média gravidade), excluindo-se os fatos de alta ou altíssima potencialidade lesiva.

Recorde-se que o modelo de Justiça restaurativa, de outro lado, pode acontecer (a) dentro do próprio sistema penal ou (b) fora do sistema penal. O primeiro nos leva a questionar a natureza pública do Direito penal, mas não se situa fora dele. O segundo apresenta-se como forma ou modelo alternativo de solução de conflitos. Aquele pertence ao Direito penal (é ?solução? intra-sistemática); este se aproxima de (ou integra) um outro Direito (que pode ser chamado de sancionador).

A negociação, por último, é a marca registrada do modelo norte-americano de Justiça criminal, que é conhecido como plea bargaining. Mais de 90% dos delitos (nos EUA) são resolvidos por esse sistema, que permite acordo sobre todos os aspectos penais (sobre pena, sobre a definição do delito, perda de bens, forma de execução da pena etc.). Nos EUA o plea bargaining é válido, de outro lado, para todos os delitos, em princípio, incluindo-se fatos extremamente graves. O acusado assume responsabilidade pelo injusto cometido (ou seja: aceita sua culpabilidade) e a negociação se faz entre ele, seu defensor e o representante do Ministério Público.

Já contamos no Brasil com o modelo conciliatório (juizados criminais). Não temos ainda a mediação (como forma de resolução de conflitos penais) nem o plea bargaining. A primeira, apesar de todos os problemas que apresenta (veremos isso em outro artigo), deveria ser imediatamente introduzida na nossa cultura jurídica. Quanto ao segundo, o debate é muito mais complexo. De qualquer modo, preservadas todas as garantias legais e constitucionais, depois de definido o fato (ou fatos) imputado (s), ou seja, depois do recebimento da denúncia, com defesa preliminar obrigatória antes do juízo de admissibilidade da peça acusatória, é chegado o momento de se pensar na possibilidade de se alterar o ordenamento jurídico para se adotar um tipo de plea bargaining no Brasil, mas diferente dos EUA, que vêm dando evidências, em favor do primeiro, de um claro desequilíbrio entre o eficientismo e o garantismo.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal, consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG ? Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª rede de ensino telepresencial do Brasil e da América Latina – líder mundial em cursos preparatórios telepresenciais ? www.lfg.com.br).