A par das dificuldades naturais de cada juiz em alcançar seu maior objetivo, ditado pela vocação que o levou a abraçar a magistratura, a efetiva distribuição da justiça, encontrando em cada sentença a solução correta que o caso merece, enfrentam os magistrados de hoje especial desafio, a lentidão na prestação da jurisdição.
O processo judicial é formal e assim deve manter-se nos limites da segurança das partes. Também não se deve impor um ritmo tão acelerado que venha “atropelar o direito”, posto necessário o respeito à amplitude na produção da prova e pausada reflexão que o caso exige, em especial as causas de maior complexidade.
Observa-se, contudo, nos dias atuais, uma protelação desmedida no julgamento das causas, provocada pelo excesso de recursos previstos em nossa legislação vigente.
A pluralidade de recursos surge como virtude democrática, propiciando às partes questionar qualquer decisão proferida pelo juiz singular, na qual se vislumbre onerosidade, submetendo a reavaliação pelo colegiado.
Tem-se observado uma inversão de valores que deve ser, com urgência, avaliada pelo legislador.
Nota-se, em especial na área cível, um engessamento do processo, provocando-lhe quase uma paralisia, decorrente da sistemática processual que prevê o agravo de instrumento.
O acréscimo do volume de recursos encaminhados à segunda instância foi surpreendente. Tomando-se as estatísticas disponíveis do nosso Tribunal de Alçada, observamos que nos últimos seis anos, ou seja, de 1995, (quando entrou em vigor a Lei 9.139 de 30/11/95, que reformou a sistemática do agravo), até o ano de 2000, o crescimento linear foi de 93%, e destacado o número de agravos de instrumento a elevação foi de 235%.
O reflexo deste fato ultrapassa a dificuldade dos juízes em vencer a exacerbada sobrecarga de serviços. A prioridade no julgamento dos agravos faz protelar a decisão final da lide, o julgamento da apelação.
Além disso, conseqüência ao meu ver muito mais grave, é a interferência permanente do Tribunal nos processos em instrução. O magistrado de primeira instância passou a enfrentar obstáculos exagerados no andamento do feito. Suas decisões são questionadas a cada passo e freqüentemente alteradas, perturbando o curso natural dos processos. Tal situação não traz qualquer benefício a prestação jurisdicional.
O recurso, neste caso, ao invés da destacada visão democrática de amplitude de defesa, vem em detrimento da parte que teve seu direito lesado e busca no Judiciário a recomposição dos seus danos. Este tumulto interessa ao infrator, ao mau pagador, a todos os que acidentalmente ou intencionalmente provocaram prejuízos a terceiros e não tem interesse em solvê-los.
Note-se o absurdo: para a proposição de uma simples ação sumária, à parte prejudicada é cobrado não menos de quinhentos reais de custas judiciais, enquanto o ex-adverso, a quem não interessa o andamento do feito, desembolsa irrisórios três reais e setenta e cinco centavos para opor agravos de instrumento a cada despacho judicial.
Alterando-se a sistemática recursal, atribuindo ao juiz do processo integral responsabilidade, dúvidas não tenho de que, o mesmo procederá à correção de eventuais equívocos cometidos, tão logo alertado pela parte prejudicada para o erro de interpretação. Tenha-se em conta estarmos tratando com juízes, profissionais do direito submetidos a rigoroso concurso público e, portanto, plenamente conscientes do alcance dos seus atos.
A previsão legislativa atribuindo ao Tribunal rever cada decisão judicial, suprimiu a responsabilidade do magistrado de primeira instância de bem aquilatar os reflexos do seu ato. Pelas informações prestadas ao Tribunal, quando concitado, por força do recurso de agravo de instrumento, nota-se que a maioria nem se preocupa em analisar as razões recursais para eventual alteração da decisão agravada. O recurso virou rotina.
A Justiça se faz em primeira instância e é absolutamente necessário restabelecer-se a responsabilidade funcional do magistrado diante do processo e o necessário respeito que deve ter frente aos seus jurisdicionados. A sistemática alteração de suas decisões, efeitos suspensivos e a criação jurisprudencial do efeito ativo, tornaram o juiz refém do Tribunal, situação que a ninguém interessa e reflete negativamente na eficiência da justiça. Aos Tribunais compete fixar jurisprudência nas questões controvertidas e corrigir eventuais equívocos. Essa interferência deve limitar-se a decisão final. Tenha-se em conta que o julgamento pelo colegiado nem sempre é solução mais justa que a encontrada pelo juiz monocrático.
No que respeita aos agravos, em que pese reconhecer-se ter pretendido o legislador agilizar o procedimento, dada a sua complexidade de tramitação na antiga sistemática, tornou-se evidente não trazer a forma atual, qualquer benefício para a parte que efetivamente busca o seu direito no judiciário.
A solução deve ser avaliada a luz das inteligências privilegiadas das quais o nosso País é pródigo, em especial no campo processual. São Juristas com efetiva capacidade que devem ser convocados para uma reforma dos ordenamentos processuais, de sorte a dar ao judiciário a agilidade de que necessita. No capítulo dos agravos, a possibilidade de restrição tão somente ao retido nos autos, ou, eventualmente, a enumeração restritiva dos casos de admissibilidade do agravo de instrumento, a semelhança do processo penal como previsto no recurso em sentido estrito. Para as decisões teratológicas haverá o socorro do mandado de segurança, com necessária previsão de conseqüências aos abusos. Aos atos dos juízes que não correspondem ao seu mister, casos de exceção, há a previsão administrativa da correição parcial e a atuação da eficiente Corregedoria da Justiça.
O aumento do número de juízes sempre será necessário para acompanhar a demanda, como está para ocorrer com a criação de novas câmaras nos Tribunais de Justiça e de Alçada, além de Comarcas e Varas previstas no Código de Organização e Divisão Judiciárias. No Tribunal é absolutamente necessário um gabinete bem-estruturado ao juiz, pois assessores e funcionários eficientes dão base para a maior e melhor produtividade. Os juízes de direito substitutos de segunda instância também necessitam de um gabinete com assessoria eficiente. Mantê-los sem qualquer apoio, não só é injusto pela sobrecarga, como é um equívoco econômico, pois fica reduzida a capacidade de produção de cada qual. Sem uma efetiva reforma processual, contudo, o funcionamento da segunda instância será sempre deficiente.
Observe-se a estatística deste Tribunal de Alçada no período já referido, 1995 a 2000. Na esfera criminal o aumento foi de 66%. De uma distribuição média mensal de 16 recursos a cada juiz, passou para a média de 27 recursos. Na esfera cível o aumento foi de 93%. De uma distribuição média de 30 recursos por juiz, passou para 60 recursos (sem considerar o represamento). Com a instalação das cinco novas câmaras, a distribuição de processos na área cível será feita para 52 juízes, os quais haverão de receber, na hipótese de imediata distribuição de todos os recursos pendentes, 154 processos cada um e mais a média mensal de 37 recursos.
Considerando o crescimento da demanda no mesmo percentual, 66% para o crime e 73% para o cível (desconsiderando a elevação extraordinária de agravos entre 1995 e 1996), nos próximos seis anos os juízes do crime estarão recebendo mensalmente até 45 e os do cível até 64 recursos.
A reforma do Judiciário, com a visão voltada para o aperfeiçoamento da sua função dentro do Estado Democrático, haverá de passar, necessariamente, pela reforma processual, cuja urgência resta evidenciada, não se admitindo pequenas alterações de cunho demagógico como a que está em trâmite no Congresso Nacional. A nós, magistrados, compete levantar a voz no sentido de conscientizar os legisladores da imperiosa necessidade da iniciativa.
Miguel Thomaz Pessoa Filho é juiz da 7.ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada.