No ano passado um grupo de advogados militantes em Ponta Grossa, considerando condutas irregulares de algumas escrivanias do foro judicial, entendeu pertinente submeter à Corregedoria do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná algumas questões sobre ilegalidades e arbitrariedades relativas à cobrança de custas judiciais.
Vale conferir as perguntas dos advogados e as respostas do corregedor (exmo. sr. des. Tadeu Marino Loyola Costa), constantes do protocolo 186.536/2002:
1.ª – É correto o envio de ofícios para os jurisdicionados beneficiários de assistência judiciária gratuita, sustentando que os mesmos não devem pagar honorários aos advogados que contrataram?
R. – O envio de ofícios para os jurisdicionados beneficiários da assistência judiciária gratuita, nos termos expostos, extrapola as atribuições dos escrivães, até porque o serventuário deve ficar adstrito às funções que lhe são inerentes, o que não é o caso do exemplo referido.
2.ª – É lícito o escrivão dirigir-se à residência dos jurisdicionados beneficiários da assistência judiciária gratuita (acompanhado por oficial de justiça), a fim de interrogar-lhes a respeito de eventual pagamento de verba honorária a seus advogados? Na hipótese de o jurisdicionado responder ao escrivão afirmativamente, ou seja, afirmar que pagou honorários ao advogado, é correta a cobrança (pura e simples) das custas processuais respectivas (sem a expressa revogação dos benefícios assistenciais)?
R. – Da mesma forma, descabe ao escrivão dirigir-se à residência das partes para investigar questões relativas ao pagamento de honorários ao advogado, já que, havendo dúvida sobre a miserabilidade da parte, pode aquele, se assim desejar, impugnar o pleito de assistência judiciária.
3.ª – Considerando que os serviços judiciários têm natureza de serviço público essencial ao exercício da Cidadania, é lícito o registro, pelo escrivão, do nome do jurisdicionado que esteja devendo custas processuais no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) da Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa?
R. – Relativamente às custas, de conformidade com o artigo 585, incisivo V, do Código de Processo Civil, ao escrivão cabe apenas promover a ação de execução para satisfazer o seu crédito, não sendo possível inscrever o nome dos devedores em entidades de proteção do crédito.
4.ª – É correto o envio de oficiais diretamente aos jurisidicionados para a cobrança de custas processuais, sem que os advogados regularmente constituídos nos processos sejam antes intimados para o preparo das custas?
R. – Quanto a intimação direta das partes para pagamento de custas processuais, há que se verificar se houve determinação judicial nesse sentido, devendo prevalecer, nessa hipótese, a decisão do magistrado.
5.ª – É correta a exposição de cartazes nos murais das escrivanias com os seguintes dizeres: “(…) assistência judiciária não é só para custas, mas também para honorários advocatícios (…)”?
R – No que diz respeito à fixação de cartazes no cartório, o Código de Normas, no item 1.2.10, determina que o juiz proceda à correição permanente nas serventias, cabendo àquela autoridade judiciária aferir a viabilidade ou não da fixação.
No final de 2002 as mesmas questões foram submetidas à apreciação da Ouvidoria Geral da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo o ouvidor geral, advogado dr. Cássio Lisandro Telles (à vista da prova documental acostada), recebido a “manifestação como denúncia e pedido de providência”, solicitando ao secretario geral da OAB “que o assunto seja apreciado pelo Conselho Pleno da Seccional, dado a gravidade da situação noticiada”.
Parabéns à Ouvidoria Geral da OAB, pois Justiça não é mercadoria!
As condutas questionadas maculam a Justiça e reduzem a prestação jurisdicional à condição de uma mercadoria qualquer.
Os serviços de proteção ao crédito são próprios para atividades empresariais, como prevê o Manual de Normas e Procedimentos da Rede de Informações e Proteção ao Crédito (RIPC), segundo o qual “poderão filiar-se às entidades integrantes da RIPC Empresas Mercantis, Prestadoras de Serviços, Instituições Financeiras e Profissionais Mercantis, prestadoras de Serviços, Instituições Financeiras e Profissionais Liberais”, certo que “as Entidades não poderão aceitar a filiação de agências de emprego, de investigação, similares e órgãos públicos” (art. 13).
Além de tratarem a Justiça como uma mercadoria, algumas escrivanias ainda fomentam discórdia entre os jurisdicionados e seus advogados, pois incentivam que os clientes não paguem os profissionais que contrataram, o que ofende a toda a clase da advocacia.
Olvidam-se os escrivães que o Superior Tribunal de Justiça tem declarado que “o artigo 3.º, V da Lei 1.060, de 1950, isenta, sob condição, a pessoa necessitada de pagar os honorários resultantes de sucumbência, devido ao advogado da parte contrária: não, à verba honorária que ela contrata com seu patrono, tendo em vista o proveito que terá na causa”(Resp n.º 238.925 – SP, rel. o min. Ari Pargendler).
O advogado é indispensável à administração da Justiça (art. 133 da Constituição Federal e art. 1.º do Estatuto da Advocacia e da OAB), e é direito do profissional auferir justa remuneração pelo patrocínio das causas (art. 23 do Estatuto).
A assistência jurídica às pessoas necessitadas é dever do Estado (art. 5.º, LXXIV, da Constituição), mas diante da omissão (ausência) do Estado essas pessoas resultam atendidas por advogados particulares, os quais têm todo o direito à remuneração pelo labor dispendido.
Em outra direção, verifica-se que os serviços judiciários são públicos por natureza, sendo ilícita sua exploração nos moldes de “empresas privadas”, com atitudes de “mercantilização da Justiça”, como ocorre com a inscrição dos jurisidicionados-devedores em SPCs, por exemplo.
Justiça não é mercadoria!
Flori Antônio Tasca
é advogado e professor universitário, mestre em Direito Privado e doutor em Direito das Relações Sociais pela UPFR.