O juiz federal substituto da 7ª Vara Federal, Mauro Spalding, em 16 de dezembro de 2005, julgou procedente, o pedido da Funai reconhecendo a posse indígena sobre a Gleba ?B? da Colônia K da Reserva Indígena de Mangueirinha, localizada nos municípios de Chopinzinho, Coronel Vivida e Mangueirinha.

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Ainda no Juízo da Comarca de Chopinzinho, em 1974, a Fundação Nacional do Índio ajuizou ação de oposição em face de Carlos Gemin e outros e F. Slaviero & Filhos S/A e outros – respectivamente autores e réus de uma ação possessória (interdito proibitório) – requerendo tutela jurisdicional que declarasse o domínio da União e a exclusividade de direito à posse e ao usufruto pelos índios sobre a Gleba ?B? da Colônia K, bem como que declarasse a nulidade e a inoperância dos títulos de domínio dos opostos sobre referida gleba, pois a posse e o domínio da área em litígio naquela demanda pertenceria aos índios desde tempos imemoriais.

A Funai alegou que as terras disputadas na Justiça por particulares eram habitadas há muito tempo por silvícolas das comunidades Kaingang e Guarani, cuja posse sobre a respectiva área havia sido reconhecida pelo Decreto Estadual nº 64, de 1903. Sustentou que, em virtude de convênio celebrado entre a União Federal e o Estado do Paraná, em 12/05/49, aquela reserva indígena foi reduzida para 7.400 ha (área que constitui as Glebas ?A? e ?C? da Reserva de Mangueirinha) e que as terras remanescentes (área denominada Gleba ?B?) foram alienadas para particulares (38 colonos) e, em seguida, para F. Slaviero & Filhos S/A, violando-se as Constituições Federal e Estadual daquela época, que já asseguravam o direito dos índios às terras por eles ocupadas permanentemente. A autarquia também alegou nulidade dos títulos de propriedade ostentados pelas diversas partes que integram as 8 ações ajuizadas, sob o fundamento de haver irregularidade nas sucessivas transferências de domínio.

A sentença julgou simultaneamente oito ações que tramitavam na Justiça Federal versando sobre a mesma área de terras, pondo fim ao debate territorial existente há mais de 30 anos. Em síntese, a decisão que contém quase 200 laudas concluiu que a execução, e não o conteúdo, do convênio firmado entre a União e o Estado do Paraná violou o disposto no artigo 216 da Constituição Federal de 1946, porque os índios, por ocasião da alienação da área disputada, detinham a posse permanente sobre a referida Gleba ?B? da Colônia K. Além disso, a sentença reconheceu a nulidade de todos os títulos dominiais apresentados pelas partes nas diversas ações, muitos deles obtidos fraudulentamente.

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A evolução histórica da disputa de terras – As estradas de acesso entre a Colônia Militar do Chopim, instalada em 1882, e as povoações de Guarapuava e Palmas foram abertas com o auxílio de mão-de-obra indígena. Em reconhecimento aos serviços prestados, no ano de 1903, o Estado do Paraná reservou uma área de terras em benefício aos indígenas de Mangueirinha, uma vez que os Kaingang não aceitaram o pagamento em moeda, reivindicando a garantia da posse do território ocupado por eles.

Em 1949, o Estado do Paraná e a União Federal celebraram um convênio que visava à regularização das terras destinadas aos índios no território daquele Estado. Tal convênio adotou um critério objetivo para as extensões das reservas, determinando a área de 100 hectares por família indígena de 5 pessoas e mais 500 hectares para a localização do Posto Indígena e suas dependências. As áreas excedentes das demarcadas pelo critério estabelecido reverteram ao Estado que as utilizou para fins de colonização e localização de imigrantes.

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Uma comissão do extinto Serviço de Proteção ao Índio ? SPI – realizou em 1949 o levantamento das áreas que deveriam ser demarcadas de acordo com o critério acima citado. Os trabalhos foram concluídos em 1950, independentemente da efetiva localização permanente dos índios sobre as terras e das necessidades culturais daqueles povos.

Um ano depois sobreveio um decreto estadual que ratificou os termos dos trabalhos do SPI e revogou vários atos normativos que tratavam das reservas indígenas, dentre eles aquele de 1903. Com isso, parte da área anteriormente destinada às Reservas Indígenas, inclusive as de Mangueirinha, foram doadas para a Fundação Paranaense de Colonização e Imigração – FPCI. Neste mesmo ano, porém, o SPI denunciou a necessidade de ampliação das áreas destinadas aos índios do Estado do Paraná, mas apesar de a FPCI ter aceitado a proposta, o então governador do Estado indeferiu a reivindicação de ampliação das reservas.

O processo de demarcação de terras seguiu seu curso e a Colônia K foi dividida em 3 glebas (A, B e C). As glebas A e C foram destinadas aos índios Guaranis e Kaingangs respectivamente. A gleba B foi alienada pela FPCI a 38 colonos. Pouco tempo depois as terras da gleba B foram vendidas por todos os colonos que as haviam adquirido à empresa Slaviero e Filhos S/A Indústria e Comércio de Madeiras. Desde então, as terras da Gleba ?B?, cuja cobertura vegetal corresponde a uma vasta floresta de araucárias, foram disputadas por várias partes. Após diversos conflitos, os índios da Reserva de Mangueirinha, com a ajuda de tribos indígenas de outras regiões do sul do país, expulsaram, em 1985, todos aqueles por eles considerados ?invasores?, permanecendo na posse de toda a área a partir daquela data, situação que perdura até hoje.