Na tradição do Direito brasileiro, os recursos interpostos aos Tribunais Superiores, por exemplo, recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça e recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, não possuem efeito suspensivo, possibilitando, desde logo, a execução do julgado objeto do recurso.
No processo criminal, isso significa que, após uma condenação em segundo grau de jurisdição, deve ser expedido o mandado de prisão, independentemente da interposição de recurso extraordinário ou especial. Nesse sentido, encontra-se o conteúdo da Súmula n.º 267 do Superior Tribunal de Justiça e diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal (por exemplo: HC 68.721 e HC 81.580).
Tal medida é bastante salutar, uma vez que leva a um processo penal menos moroso e, portanto, mais eficaz. Diante da prodigalidade recursiva, inclusive junto aos Tribunais Superiores, o julgamento de um recurso extraordinário ou especial pode levar anos.
Isso não impede que, pontual e excepcionalmente, possam os Tribunais Superiores conferir efeito suspensivo a um recurso especial ou extraordinário quando perceberem uma questão jurídica relevante e a probabilidade da procedência do recurso. Dessa forma, atinge-se um equilíbrio razoável entre os direitos do acusados e o interesse da sociedade em uma persecução penal eficaz.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal deu indicativos de que poderá rever o seu antigo entendimento. No julgamento dos habeas corpus n.ºs 84.078 e 85.591, uma das Turmas do Supremo resolveu submeter a questão a respeito da possibilidade da execução imediata de condenação em segundo grau de jurisdição ao Plenário daquela Corte. Tal procedimento só é adotado quando há uma possibilidade de revisão da jurisprudência.
Concomitantemente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 4.208/2001 oriundo do Executivo e que propõe alteração do artigo 283 do Código de Processo Penal, exigindo o trânsito em julgado da sentença condenatória para a execução de pena ("Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva").
O fundamento principal daqueles que exigem um julgamento definitivo para a execução de uma condenação criminal é o antigo e basilar princípio da presunção da inocência, que, em nossa Constituição, foi contemplado no artigo 5.º, LVII ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"). Tal norma constitucional comporta, porém, várias interpretações.
Historicamente, o princípio da presunção da inocência está vinculado a necessidade de que a responsabilidade criminal do acusado seja provada acima de qualquer dúvida razoável. Ordinariamente, não há qualquer vinculação deste princípio com efeitos de recursos no processo penal.
Tanto é assim que na Inglaterra, berço histórico da presunção da inocência, o direito ao devido processo é, acima de tudo, o direito a um julgamento em primeira instância, não tendo a apelação se tornado um mecanismo rotineiro (segundo o processualista italiano Mario Chiavario, o direito de apelar é exercido contra apenas 1,2% das condenações oriundas da Corte de Magistrados e contra apenas 12% das condenações provindas da Corte da Coroa – CHIAVARIO, Mario. Os direitos do acusado e da vítima. In: DELMAS-MARTY, Mireille (org.). Processos penais da Europa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 601).
Nessa mesma perspectiva, a Convenção Européia dos Direitos do Homem considera a condenação criminal, ainda que por julgamento não-definitivo, motivo suficiente e autônomo para a prisão (artigo 5.º, 1, "a").
Também nos Estados Unidos, ainda um modelo de legislação eficaz e compatível com os princípios liberais democráticos (excluam-se os excessos decorrentes da assim denominada guerra contra o terrorismo), não tem o condenado em primeiro grau de jurisdição um direito irrestrito de apelar em liberdade. Ao contrário, tem ele o ônus de demonstrar que sua liberdade não coloca em risco à sociedade ou o processo e que seu recurso não tem cunho protelatório. Há uma nítida distinção entre a situação do acusado antes e depois da condenação, mesmo não sendo esta definitiva (cf. Título 18 do US Code, Seção 3.143, "b", e Rule 46, "c", da Federal Rules of Criminal Procedure).
Certamente, cada país tem seus peculiares sistemas judiciais, nem tudo sendo apropriado a nossa realidade. O que chama, contudo, a atenção, é que o exemplo majoritário do Direito Comparado é que presunção de inocência não tem ligação necessária com efeitos de recursos e que não há o reconhecimento irrestrito do direito de apelar em liberdade mesmo contra uma condenação em primeiro grau de jurisdição.
Já a discussão atual no Brasil é a respeito da possibilidade de recorrer em liberdade não contra uma decisão de primeiro grau, mas sim contra uma condenação em segundo grau, ou seja, após o exame de uma apelação por um Tribunal, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça. Há uma nítida exacerbação do princípio da presunção de inocência.
O grande problema é que, caso assim se decida, o que resta da eficácia de nossa Justiça criminal será severamente comprometida, retardando a punição penal por anos. Tal questão jurídica é até mais importante para a eficácia da Justiça criminal do que as discussões sobre poder investigatório do Ministério Público ou mesmo sobre o foro privilegiado de autoridades públicas. A opção pela interpretação mais exacerbada do princípio da presunção da inocência contradiz o momento histórico atual, em que a sociedade reclama uma Justiça mais eficaz, especialmente em relação a crimes graves, violentos ou de colarinhos brancos. Não constitui, como visto, a única opção de interpretação da Constituição, pois países de tradição liberal e democrática até mais intensa do que a nossa adotam postura mais equilibrada entre os direitos do acusado e os interesses da sociedade.
Por fim, é importante dizer que os recursos aos tribunais superiores constituem uma via estreita, em virtude das armadilhas processuais existentes neste caminho. Usualmente, apenas acusados de grande poder econômico e capazes de contratar excelentes e caros advogados logram ter seus casos avaliados pelos Tribunais Superiores. Esta, aliás, é a realidade dos dois habeas corpus que serão submetidos ao Plenário do Supremo, em que reclamam o benefício um ex-prefeito e um grande empresário. De certa forma, reconhecer o direito irrestrito de recorrer em liberdade ao Supremo ou ao Superior Tribunal de Justiça constituirá garantia útil a apenas um estrato social. Não que estes não mereçam amplos direitos de defesa. Não obstante, não se pode ter ilusões quanto ao alcance do que se estará fazendo.
Sergio Fernando Moro é juiz Federal da 2.ª Vara Criminal Federal de Curitiba/Paraná, especializada no processo e julgamento de crimes financeiros e de lavagem de dinheiro, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná.