Acostumamo-nos brasileiros desde cedo, ao menos de três séculos para cá, a dançarmos à influência mediterrânea, com todo brilho e toda cultura européia que nos foi inseminada, e ao mesmo tempo nos habituamos ao modo de raciocinar norte-americano, que desde Rio Branco alicerçou nossa herança intelectual.

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Recebemos certamente bons frutos, isso não há de se negar, mas também uma pluralidade de variáveis culturais que não nos é próxima, e tampouco nos engrandece de algum modo.

Uma mistura, aparentemente incompatível, mas que veio atrelar-se de maneira tão intensa e tão viva, e se traduziu num rígido amálgama espalhado pelas mais diversas formas de expressão da cultura brasileira.

Essa dupla formação, chocalhou dentre todos os universos, inevitavelmente, o mundo juscadêmico. Passamos a nos sustentar desde a origem sob dois sombrios pilares, que corroem a estrutura da juscademia: o “exibicionismo” e o “raciocínio economicista”.

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As festas no Brasil colônia não foram poucas, pois bem souberam os portugueses se enraizarem por aqui. A par do valor cultural, grande parte delas serviram, como bem gosta Tinhorão, para sustentar a pose e o brilho de um poder ilegítimo e sem receptividade nativa.

Suas formas várias apresentam no clássico “torneio das cavalhadas” a manifestação mais sublime de demonstração de poder pessoal. Era no brilho das vestes, que os grandes senhores, sentados sobre seus cavalos ajaezados, expondo o valor de seus “ducados”, mostravam-se ao povo, mas principalmente, aos príncipes e fidalgos da casa real.

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O espírito cavaleiresco que rondava a memória das antigas glórias guerreiras de Portugal, era antes de tudo uma forma de manifestar-se publicamente, de se fazer conhecer e ser conhecido, de aparentar distinção, de dar nas vistas a sua imagem, em suma, exibir-se sem qualquer pudor.

Se por uma lado, foi graças às justas e aos torneios portugueses, que passamos a formar nossa rica cultura, por outro lado, foi graças às “cavalhadas”, que aprendemos o valor da exposição, do “chamar a atenção”, do tamanho das lantejoulas e do brilho das purpurinas.

Foi nesse pêndulo entre elegância da imagem e desvalor interno, que nós juristas fomos construindo lentamente o nosso modo de ser e de se ver dentro da juscademia.

Passamos a glorificar o valor dos títulos, os pronomes de tratamento, a vulgarização da publicação de livros, o incomensurável desejo por palestras e congressos, por coquetéis de lançamento de obras conjuntas, por aulas magnas, por comissões, grupos, etc. Construímos, lamentavelmente, “nossas justas” e “nossas cavalhadas”, para que o bom paço pudesse exibir-se.

De outro lado, quando o imperialismo vienense abria ressentido espaço para o mundo norte-americano, toda a cultura do american way of life começou a espraiar-se pelo mundo, e, notoriamente, pelas terras brasileiras.

Nada obstante o valor da modernização e da industrialização trazida, veio junto com os “trustes” americanos um modo de raciocinar diferenciado, pautado em outras formas de pensamento, em outras variáveis, em outros objetivos.

Com isso, não só a economia brasileira alterou seu parceiro comercial, mas a própria juscademia veio vagamente alterando a sua forma de pensar. Aquilo que era de rigor e de caráter, que era de valor e de respeito, cedeu ao estrangeirismo de um Brasil europeu.

Levou-se quase um século para que essa cultura efetivamente se enraizasse, ao menos de modo tão profundo e difundido na juscademia, e que veio à tona novamente após a reabertura política do Brasil nos anos de Collor e que permanece robusta até os dias de hoje.

Aquele modo de pensar de Rockfeller e Havenmeyer ressurgiu, e, acobertado pela Escola de Chicago, que lutou por refletir cientificamente o Direito a partir da Economia, integrou o raciocínio de muitos juristas.

Passamos, desde então, a movimentarmo-nos não como juristas, mas como economistas, a pensar como economistas, a refletir e encontrar soluções como economistas, ao invés de deixar a estes a grande pesquisa do modo como os homens ganham a vida, buscando recursos escassos, entre meios alternativos e fins competitivos.

As variáveis do raciocínio econômico, a sua epistemologia própria e o seu fim específico extravasou a mera análise econômica do direito, e passou a integrar a própria epistemologia dos juristas.

Evidência disso foram as modificações profundas pelas quais os juscademicos começaram a experimentar, reconduzindo suas formas de pesquisa, seus interesses e suas virtudes.

O pensar juseconômico é visível, ao se perceber que os juristas estão sempre a “pensar em tradeoffs”, ou seja, estão sempre pensando em situações conflitivas, em torno do quê sacrificar para obter maiores vantagens.

Melhor ganhar mais clientes, ou estudar mais; melhor defender teses potencialmente enriquecedoras, ou indagar mais; melhor ganhar mais títulos demorados e bem construídos, ou doutores diretos?

A saída parece ser sempre aquela economicamente mais viável, não tanto do ponto de vista monetário, mas do ponto de vista do raciocínio econômico. O lidar com o tempo dos estudos acadêmicos se tornou um problema de ordem econômica e não mais acadêmico.

Do mesmo modo, os juseconomistas passaram a “pensar na margem”, naquela última unidade necessária de ser agregada para ter valor, para se ter lucro. A busca por conhecimento rigoroso cedeu ao conhecimento imediato e ao mínimo necessário para direcionar os esforços ao conhecimento instrumental e pragmático.

É pensando na margem que se escolhem as decisões jusacadêmicas de hoje, e não mais no processo como um todo, com toda lentidão de leitura e de reflexão requisitadas.

O “pensar no custo de oportunidade” se tornou um princípio fundamental, de modo que não importa mais o rigor das leituras e da boa escrita, e, sim, o uso econômico e eficiente do tempo de reflexão.

Sacrificam-se demasiadas horas de estudo e de preparação de aula em prol das horas de congresso e conferências. O valor da hora-estudo nunca esteve tão alta no dias de hoje, na exata inversa proporção do tempo que se gasta com a maximização da imagem e das bajulações.

O “pensar causalista”, de que toda a causa tem um efeito imediato, necessário em relação à demanda e à oferta, englobam o juspensar quando não o deveriam, de modo que os juscadêmicos se preocupam com o sistema de preços, com o efeito de sobporem nos seus cartões de visitas títulos sem muito esforço para se conseguirem. A alocação de recursos toma-nos de assalto, a ponto de estarmos sempre a reagir em incentivos, por vezes sem qualquer valor acadêmico.

Se por um lado esse “pensar juseconômico” traz uma eficiência extraordinária, por outro, traz uma pobreza instransponível e irrecuperável. Os valores econômicos não podem fazer parte dos valores jusacadêmicos, tampouco o modo como os economistas raciocinam pode fundamentar a movimentação dentro da academia jurídica.

Não devemos pensar na margem nem sequer pensar nas oportunidades com tanto sacrifício. É preciso pensar antes na densa formação, na rijeza de profundidade, na seriedade e na austeridade do conhecimento científico.

As variáveis da juscademia são outras, assim como o tempo da juscademia deve ser outro que não o tempo eficiente e alocativo da economia. Também, é preciso fugir à velha herança portuguesa colonial, e o gosto pelo “apresentar-se em público”, pelo “fazer-se ver”, em suma, pelo “exibir-se”.

É preciso refletir sempre o modo como caminhamos dentro da jusacademia, a fim de que se desvelem nossas heranças e nossos paradigmas de raciocínio, e não para desvelar-se a própria imagem ou o próprio nome. É preciso pensar no tempo da semeadura, e não no tempo da colheita!

Guilherme Roman Borges é doutorando e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito na USP; mestre em Sociologia do Direito e bacharel na UFPR, bolsista doutoral anual na Faculdade de Filosofia da Universidade de Patras-Grécia; professor de Economia na Universidade Positivo.