Brasília – A decisão desta quinta-feira (30) do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma ação contra fazendeiros acusados de explorar trabalho semelhante à escravidão gerou polêmica entre juristas. O Supremo aceitou recurso do Ministério Público Federal contra decisão do Tribunal Regional Federal (TRF). O TRF recusava-se a julgar uma acusação de trabalho escravo no Pará, alegando que o caso não era de competência da Justiça Federal. Por 6 votos a 3, o Supremo definiu que o TRF tem de analisar o caso.

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Roberto de Figueiredo Caldas, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acredita que o caso abre um precedente para que todos os casos de exploração de trabalho semelhante à escravidão sejam encaminhados diretamente à Justiça Federal. ?Na prática, essa decisão já é um precedente definitivo que indicará o modo de agir tanto à Justiça Federal como à Justiça dos estados. A Justiça Federal passará a admitir a sua própria competência e a Justiça estadual deverá declinar da competência, remetendo todos os processos para Justiça Federal?, afirmou Caldas, que é coordenador da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo da OAB.

Mas, de acordo com a assessoria de imprensa do STF, a decisão não cria jurisprudência e vale apenas para o caso específico. Para Caldas, na prática, a decisão é um precedente importante e pode ser considerada um caso modelo, conhecido como leading case.

De acordo com Caldas, ?do ponto de vista estritamente técnico, o STF divulgou que aquele não era um leading case?. Isso porque, de um total de 11, dois ministros da atual composição do tribunal ? Ellen Gracie e Carmen Lúcia ? não estavam presentes à sessão e não votaram, segundo o advogado, que acompanhou a sessão ontem. A decisão foi tomada por 6 votos a 3.

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?Esse caso na prática pode ser tratado como um como um modelo, como um precedente para todas as futuras decisões porque seis ministros da atual composição votaram no sentido de que a competência é da justiça federal, então há uma maioria?, argumentou o advogado.

Segundo o coordenador, a decisão do STF é um passo importante no combate ao trabalho escravo no país. Ele ressaltou que é a esfera federal que responde às entidades internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA). ?Essas entidades indicam que deve ser da competência da Justiça Federal o julgamento de casos que envolvam direitos humanos?.

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Na avaliação dele, com competência na esfera federal, a atuação do Brasil na área ganha mais legitimidade. ?O âmbito da União está muito mais envolvido na prática com o combate ao trabalho escravo que determinados governos estaduais?, disse ele, ao citar o Ministério do Trabalho e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República como órgãos ?diretamente envolvidos? no enfrentamento ao trabalho escravo.

?Nem sempre os estados estão imbuídos desse mesmo espírito de combate. Os estados não têm um órgão que os pressione a realizar esse trabalho, enquanto a União, o governo federal tem as instâncias internacionais que a todo tempo estão fazendo relatórios obrigando o país a cumprir esses deveres universais?.

Segundo a coordenadora do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Patrícia Audi, a indefinição sobre a competência tem sido um ?entrave? que faz com muitas vezes o crime acabe prescrevendo. Para ela, a decisão do STF é ?o primeiro passo para o fim da impunidade, no sentido de que os crimes passem a não prescrever mais?.

Patrícia Audi afirmou que os processos na área penal completam o pacote de ações necessárias para responsabilizar os exploradores de mão-de-obra escrava, ao lado de medidas administrativas, comerciais e das ações civis por danos morais.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados na Justiça do Trabalho (Anamatra), José Nilton Pandelot, também concorda que a decisão diminuirá a impunidade. ?A dúvida se era [competência] da Justiça Federal ou Justiça estadual garantia apenas a impunidade para os proprietários de terra que reduziam o trabalhador à condição análoga à de escravo?.

Pandelot disse que é preciso dar ao julgamento do STF a dimensão que ele efetivamente tem. ?Essa decisão do Supremo sinaliza uma tendência da Corte de que a competente é a Justiça Federal. Portanto, a partir de agora, esse sinal deve ser observado pelos juízes de direito, eles devem encaminhar os processos para a Justiça Federal?, afirmou.