Juízes do Tribunal Penal Internacional

Sem muito destaque a imprensa falada, escrita e televisionada, noticiou a escolha dos juízes que passarão a integrar o Tribunal Penal Internacional, dando continuidade ao lento e progressivo trabalho de implantação desse importante Tribunal Penal Internacional que foi criado pela ONU com o célebre Tratado de Roma.

Num caso, praticamente inédito, candidatou-se uma das nossas maiores expressões em Direito Penal Internacional, a conhecida Desembargadora Federal e Professora de Direito da USP., Silvia Steiner, destacando-se o singular fato de ser mulher, e este Tribunal que ao final contará com 18 juízes, dentre os 43 que se candidataram, ficando assentado que apenas 6 desse total, seriam mulheres.

A professora e desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região com sede em São Paulo – SP, Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, que é formada em Direito pela USP., mestra em Direito Internacional Público, e especialista em Direito Penal pela UNB, inclusive já tendo anteriormente exercido a advocacia e ser oriunda do quinto constitucional na Magistratura Federal, pelo Ministério Público; foi escolhida em Nova York, como juíza do Tribunal Penal Internacional.

Como ficou anotado no Tratado que criou o Tribunal Penal Internacional, os Estados membros teriam de respeitar as suas cotas, que são as de representação por grupo geográfico, por gênero e depois pela especialidade em Direito Penal e Direito Internacional.

Incentivada pelos setores jurídicos mais responsáveis de nosso País, a eminente Professora foi estimulada a se inscrever e foi logo aprovada na quarta rodada das votações internacionais, surpreendendo até mesmo as mais otimistas previsões e esperanças de que se concretizaria esse desejo, que volta a colocar o Brasil em posição de destaque no cenário jurídico internacional.

O Tribunal Penal Internacional foi oficialmente criado em julho do ano passado, após a ratificação do Estatuto de Roma de 1998 por cerca de 76 países. dentre os quais o Brasil. que desde o início apoiou a grande idéia, que era também uma antiga pretensão de nossos maiores juristas, como: Ruy Barbosa, Nelson Hungria, Heleno Claudio Fragoso, Orosimbo Nonato, Haroldo Valadão, e muitos outros.

Seu objetivo principal é julgar os chamados crimes contra a humanidade, salientando-se os crimes de guerra, genocídio, e outros assemelhados, compondo-se de 18 membros, que terá sede em Haia na Holanda, onde se encontram outras Cortes Internacionais, e seguindo a moderna orientação, seus membros terão mandatos não coincidentes, de 9 anos, havendo em seguida sua substituição.

Esse Tribunal Penal Internacional estará apto a julgar os fatos acontecidos, a partir de 2004, data em que realmente o Estatuto de Roma estará funcionando, sendo esse o prazo que o Tribunal necessita para se organizar adequadamente, com seu regimento interno e estrutura administrativa.

O curioso é que na lista de juízes escolhidos, seis são mulheres, trazendo presença feminina no quadro julgador, justificando-se a presença de mulheres, pela sua dupla condição de sobrevivência pois que estas lutam por suas famílias e podem ser objeto de violências sexuais mais graves, e possivelmente poderão coibir de modo mais determinado as inúmeras violações aos direitos humanos, tão comuns nos conflitos regionais.

Destacamos que a Argentina ficou com a instituição do Ministério Público junto a este Tribunal, sendo escolhido o jurista Luiz Miguel Ocampo, que o chefiará e a quem compete iniciar as investigações criminais que lhe forem solicitadas, de forma independente.

Esse persuasivo trabalho de edificação de um Tribunal Penal Internacional, de caráter permanente, é mais uma grande criação da ONU, que assim paulatinamente, e ao contrário do que certa mídia quer fazer passar, tem se mostrado atuante na construção de um mundo melhor, onde os organismos internacionais possam efetivamente contribuir para a paz e para a consolidação dos direitos humanos mais elementares.

Muito embora cerca de 88 países tenham efetivamente ratificado o Tratado de Roma, não se pode ficar muito otimista, isto porque, não mais do que meia dúzia desses trataram de harmonizar o direito interno com o internacional produzindo a necessária e imprescindível adequação da legislação nacional, que assim se tornaria apta para a recepção dos institutos jurídicos que constam daquele importante Tratado.

Destacamos que o projeto brasileiro, nesse sentido, esta para ser enviado ao Congresso Nacional, devendo constar de 3 partes: primeiro, criando alguns crimes, descrevendo especificamente o crime de genocídio e os crimes contra a humanidade, como a tortura, desaparecimento forçado de pessoas, e qualificando alguns crimes de homicídio; a Segunda parte faz modificações para ajuste do nosso processo penal e finalmente condicionamentos para a cooperação internacional.

Adicionamos que o Tribunal Penal Internacional é um Tribunal para julgar pessoas e não vai julgar políticas ou decisões de Estados soberanos, mas atos praticados por seus nacionais a seu serviço, uma vez que o TPI julgará somente essas pessoas se elas forem realmente provenientes de países que ratificaram o estatuto e que não estiverem em condições de julgar os acusados ou que, de qualquer modo, se recusem a fazê-lo.

O que causa espanto é a recalcitrância de certos países grandes, como a Rússia, os Estados Unidos e a China, que ficam na péssima companhia de poucos países árabes que praticamente ignoram os direitos humanos e onde a democracia é ainda um arremedo.

Todos por evidente obviedade, não podem se comprometer com o Tratado de Roma, pois tem problemas em várias partes do mundo, principalmente os Estados Unidos, com sua política hegemônica de polícia do mundo, ainda que possam alegar que estão a combater efeitos do nefando 11 de setembro, que o terrorismo internacional realizou, e que tem reforçado as posições americanas contra desse Tratado, bem como perseguindo os que se negam a fazer um acordo em separado, aos quais nega a ajuda militar, em recursos materiais, humanos, bélicos e financeiros.

Recentemente o Brasil e a Colômbia foram alvo dessas retaliações especificamente porque se negaram a efetuar esse Acordo bilateral, que excluiria a subordinação dos Estados Unidos frente ao Tribunal em relações que envolvessem esses mesmos países. Em 2003 o corte dessa ajuda, segundo a imprensa foi de US$ 275 mil, e no ano de 2004 chegará ao valor de US$ 500 mil, sendo que nossa posição foi declarada pelo ministro da Defesa, José Viegas, que informou que não temos planos de assinar um acordo que livre funcionários e militares americanos de possíveis punições pelo TPI.

Isso sem falar na terrível obsessão com que atacou o Iraque, o que descontentou muitos de seus aliados tradicionais na Europa em matéria de Política Externa, comprometendo outros propósitos pacifistas que foram tão difíceis de alcançar e que agora estão ficando seriamente abalados.

A Rússia, membro do Conselho de Segurança da ONU, efetivamente mudou, mas não tanto que lhe permita arriscar comprometer-se com um Tratado, como o de Roma, diante do caso claro da Tchetchenia que tanto a tem incomodado e outros problemas de igual porte, no relacionamento interestatal que azucrinam as suas Relações Internacionais e por isso, como antiga protagonista da chamada “guerra fria” ainda se ressente de melhor, embora intensa atuação no plano internacional.

Nesse mesmo sentido temos a China, cuja política interna e externa é muito fechada, totalmente imprevisível, com suas inequívocas pretensões de expansão política e colonialista, onde os acordos internacionais para recuperar espaços que lhe são vitais para sua elevada população e ainda mais, como seu poder de veto nas Nações Unidas, se torna uma peça importantíssima na condução dos destinos da humanidade.

Chega a ser desanimador que países como a Rússia, China e Estados Unidos, três importantes membros do Conselho de Segurança da ONU, com poder de veto, não tenham aderido a este importante Tribunal Penal Internacional, face a sua experiência em participar de órgãos colegiados fundamentais como este Tribunal, que é uma das maiores construções da diplomacia e da comunidade internacional para a garantia e efetividade da paz universal.

Com ele sairemos do plano teórico das convenções e tratados, enfim das meras declarações de intenções, para a maturidade do Direito Internacional, com um instrumento fundamental, definitivo em termos de garantias dos direitos humanos, cuja efetividade permitirá entrarmos no terreno das realidades imprescindíveis para se manter a estabilidade e dignidade da própria vida de toda a humanidade.

Nilton Bussi

é advogado, professor da UFPR.

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