Tomando uma decisão polêmica, o "Diário Metropolitano do Sul", do sul da China, publicou uma extensa entrevista com Gao Qinrong um ex-jornalista que acaba de deixar a prisão após oito anos detido. O jornal, segundo denúncias em blogs de oposição ao governo, está sob investigação e seus dirigentes poderão ser substituídos em breve.
O caso de Gao Qinrong, um ex-membro do Partido Comunista chinês de 51 anos, começou no verão de 1998, quando descobriu por acaso que um projeto de desenvolvimento promovido pelas autoridades locais era na verdade uma fraude, um dos episódios de corrupção cada vez mais freqüentes no país.
A história vale como exemplo de como se vive na China hoje. "Tinha acabado de escrever um artigo de Yuncheng [na província de Shanxi, no norte da China] e voltava para casa de trem. Ouvi pessoas conversando sobre o ambicioso projeto de irrigação na região. As pessoas diziam que nos Estados Unidos, por meio de satélites, haviam visto que estavam construindo em Shanxi refúgios de cimento, como aqueles usados durante a guerra contra o Japão [a Segunda Guerra Mundial]", contou Qinrong. Talvez fossem apenas "torres" usadas na coleta de água, ele pensou.
Na época, Qinrong era um repórter do "Jornal da Juventude de Shangxi". Era um idealista e pensava que, por meio do trabalho, poderia "ser útil ao partido e ao povo", como diz ainda hoje, após oito anos na prisão. Foi verificar e descobriu que as "torres" não passavam de construções rudimentares, muitas ainda incompletas, sendo impossível usá-las para reservar água para a irrigação dos campos.
"Fiquei muito chocado. Um projeto que tinha custado 200 milhões de yuans, que era a menina dos olhos da administração, existia só no papel", disse Qinrong na entrevista.
O artigo em que denunciou a situação teve grande repercussão e, logo depois, começou o pesadelo. Qinrong é intimado a Pequim para "depor". Não chega nunca a fazê-lo: é perseguido e preso pela polícia de Yuncheng. Permanece nove meses detido antes de ser condenado a 12 anos de prisão por "corrupção e fraude" num processo que durou poucas horas. A redução de quatro anos na pena se deve à "boa conduta". Na prisão, escreveu centenas de petições, que sua mulher se encarregou de levar à capital.
Mais de uma vez, durante a entrevista, Qinrong afirma ter orgulho da denúncia que fez, segundo ele, "para o bem do partido e do povo". Ele chora ao falar da mulher e da filha, que hoje tem 16 anos, e afirma que não poderá jamais recompensá-los pelo apoio que lhe deram ao longo dos anos. "Já me perguntei isso e não cheguei a uma resposta", respondeu ao entrevistador, que perguntara se tudo havia valido a pena.
Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, uma organização privada com sede em Nova York, a China é o país com o maior número de jornalistas detidos do mundo. Os casos mais notáveis são os do colaborador do "The New York Times", Zhao Yan e do correspondente do "Strait Times" de Cingapura, Ching Cheong.