Jogo bruto

Corroborando a sentença de que a única coisa feia em política é perder eleição, o governo arregaçou as mangas e entrou de cabeça na campanha das eleições municipais em quase todos os quadrantes do País. Quer, como é natural, ampliar ao máximo o domínio petista nas câmaras de vereadores e nas prefeituras, primeiro estágio do poder conquistado pelo topo nas últimas eleições presidenciais. O presidente Lula se esforça e muitos de seus ministros passaram a subir nos palanques, enquanto alianças são costuradas à esquerda e à direita na caça aos votos que, depois de colocados nas urnas, não têm retorno. Feio – repetimos – é perder.

Outro dia, o presidente Lula reuniu para um jantar alguns próceres da política, postados na oposição. Entre eles estavam figuras como Antônio Carlos Magalhães, outro pragmático que nunca brinca em véspera de eleição. Disseram que do encontro interessava mais a simbologia dele que o tema nele tratado, e a assessoria do próprio presidente Lula mandou dizer que a reunião ou confábulo atendia a objetivos que normalmente perseguem os estadistas: pelo bem dos interesses maiores do Brasil, aparentes adversários sentavam e aparavam arestas no caminho da aprovação de importantes temas pendentes na pauta do Congresso Nacional…

“Não estou querendo cooptar ninguém”, reagiu o presidente Lula depois que o jantar com os sete pefelistas assumiu ares de escândalo. Melhor, de trama diabólica, urdida à margem de partidos e na calada da noite. O governo enfrenta problemas no Congresso – ninguém ignora -, mas a tática de rachar as oposições pelo meio foi negada pelo presidente com a mesma veemência com que reagiu o comando partidário jogado para escanteio. Incontinenti, Jorge Bornhausen, o presidente da agremiação dos sete privilegiados convivas, pediu a expulsão de ACM – ora ternura, ora malvadeza, que sempre diz agir apenas no interesse da Bahia e em nome disso até já se prepara para mudar de legenda pela enésima vez.

Em que pesem o respeito e a consideração que se possa ter por senadores constitucionalmente eleitos, houve, sem dúvida, um ato de desapreço do presidente da República ao partido de seus ilustres interlocutores, todos eles a serviço das grandes causas brasileiras. Em nome da fidelidade partidária sempre prezada pelo PT, melhor seria se tivesse solicitado um encontro formal com o PFL antes de – como se diz na gíria – iniciar a comer pelas beiradas. Ficou, assim, no ar o cheiro e o gosto daquela conspiração referida por Cícero no Senado, em seu célebre discurso contra Catilina: se alguém trama, que pelo menos o faça da parte de fora dos muros da cidade.

Consciente do mal-estar criado com o encontro, numa fase em que as sensibilidades políticas estão aguçadas, o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, resolveu dar um conselho ao companheiro presidente: não se meta. “Se eu pudesse falar com o presidente – disse João Paulo, como se ele não pudesse -, eu diria o seguinte: Não se meta nas eleições municipais, porque o senhor corre o risco de não ajudar muito o candidato e talvez possa trazer problemas para o seu próprio governo, sua administração”. Mais: “Nós não podemos aceitar que as negociações sejam feitas personalisticamente. Isso é um desserviço à democracia”, pois “nossa base é partidária”, arrematou.

O presidente poderia dormir sem essa. Os desdobramentos do encontro, entretanto, não param por aí. O rega-bofe, dizem no Planalto, foi um desprestígio ao ministro Waldir Pires, da Controladoria Geral da União, notório adversário político de ACM, enquanto foi entendido como uma “punhalada” pelas costas ao próprio candidato petista à Prefeitura de Salvador, Nelson Pellegrino… apenas para ficar na área municipal. Lula e alguns de seus ministros precisam perceber que, ao contrário do que lhes foi permitido em campanha, quando meros candidatos, agora eles constituem governo. E de todos os brasileiros, independentemente de carimbos. Ademais, a tardiva reforma política pretende sufocar os últimos respiros de um caciquismo que nunca prezou muito pelo fortalecimento dos partidos, contrariamente ao que o rega-bofe patrocinado pelo presidente Lula sugere.

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