Não só ética faltou no Senado. Faltou também um regimento para o funcionamento adequado do Conselho de Ética da Casa, o que permitiu, nas muitas denúncias contra o presidente Renan Calheiros, manobras as mais diversas, todas elas transgredindo o trânsito normal dos processos. Julgamentos chegaram a ocorrer, pois, no único caso em que o senador alagoano foi réu naquele órgão, conseguiu o prêmio imerecido, mas de qualquer forma vulgarmente aplicado pelos plenários parlamentares brasileiros: a absolvição.
A falta de um regimento interno, omissão de todo injustificável, parece indicar a presunção – e mais do que isso: a pretensão – de que os nossos senadores estão e sempre estiveram acima de qualquer suspeita. A realidade é o contrário, pois ainda agora a câmara alta foi acusada de nepotismo. Famílias inteiras de funcionários graduados ligados a senadores estão na folha de pagamentos. Um privilégio que pode não ser ilegal, mas é imoral e muito provavelmente inconstitucional. Até agora, a direção do Senado fez ouvidos moucos à acusação. Finge que nada sabe, nada ouviu e nada disse. Como os três macaquinhos ou a posição duvidosa comum à chefia de outro dos três poderes.
De qualquer forma, é de se saudar o fato de que os escândalos envolvendo Renan Calheiros provocou a feitura, às pressas, de um regimento interno para a Comissão de Ética. As normas que inexistiam e permitiam, no vácuo, ao presidente Calheiros escapar ileso, foram elaboradas e aprovadas na quarta-feira passada. O novo (e primeiro!) regimento interno mantém a prerrogativa dos partidos políticos de apresentarem representações contra parlamentares à mesa diretora do Senado quando houver suspeitas de irregularidades cometidas durante o mandato. Excluem-se os fatos anteriores à posse dos parlamentares. Estes não poderão ser investigados. Tem lógica. Afinal de contas, se à comissão compete examinar infrações à ética parlamentar, não se há de julgar um senador por algo que tenha feito antes de ocupar o cargo. Mas é uma faca de dois gumes, pois como no Brasil para ser político e candidato não é preciso uma boa folha corrida, grandes malandros poderão e podem chegar ao Senado incólumes e blindados contra investigações sobre seus desvios no passado.
Mais uma vez se sustenta a tese que levantamos neste espaço por diversas vezes: se um partido logra eleger um candidato seu de má conduta pretérita, presente ou que ocorra futuramente, deveria ser co-réu com seu representante, sofrendo penas que iriam da perda do mandato a alguma coisa mais que castigasse a própria agremiação. Isso é mais verdade ainda quando o Tribunal Superior Eleitoral decide que os mandatos não são daqueles que os ocupam e sim dos partidos políticos. Os partidos não podem ser catapultas para lançar a elevadas funções malandros e políticos que não se comportam com ética e dentro da legalidade.
As denúncias contra senadores, de acordo com o regimento recém-aprovado, podem receber abrigo ou ser rejeitadas por decisão singular do seu presidente. Já as representações devem tramitar. As votações no Conselho de Ética serão abertas, eliminando-se, assim, as manobras no escuro que beneficiaram Renan.
Outra coisa agora decidida é que há prazo de três dias para que o Conselho de Ética escolha relator para os processos. Ótimo, pois não assistiremos de novo à palhaçada havida nos casos de Renan Calheiros, quando seus amigos do peito sentavam-se sobre as denúncias, não eram designados relatores e não raro eram escolhidos nomes que já estavam amaciados para pedir o arquivamento liminar das denúncias.
Estamos caminhando para a moralização do Poder Legislativo. Ela não está à vista. Pelo contrário, muito distante ainda. Mas até mesmo um passo tão corriqueiro como a aprovação de um regimento interno para o Conselho de Ética do Senado nesta hora passa a ter um significado de avanço, de moralização.