O governo federal não precisa esperar pela aprovação da reforma tributária para iniciar a distribuição de renda prometida pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de outubro do ano passado. Lula tem um instrumento poderoso nas mãos para fazer com que este processo se inicie a curto prazo, obrigando os mais ricos a pagar mais impostos, e, em conseqüência, distribuindo esta riqueza entre as classes economicamente menos favorecidas, sob a forma de programas de atendimento à população carente.
Trata-se da prerrogativa concedida à União, prevista na Constituição Federal de 1988, de criar o imposto sobre as grandes fortunas. Para que isto ocorra, basta o governo criar uma lei complementar estabelecendo as regras definidoras do novo imposto, possibilitando que, mais tarde, o processo seja efetivado por meio de lei ordinária. Nada que o corpo jurídico da Procuradoria Geral da República e do Ministério da Justiça não possam superar.
A criação deste imposto é de extrema relevância. Não é mais possível admitir que o Brasil, oitava economia do mundo e dono da maior extensão de terra agricultável do planeta, continue convivendo com as suas bizarras estatísticas da pobreza. Dados do próprio Ministério Extraordinário da Segurança Militar, reproduzidos nas cartilhas do programa Fome Zero, estimam que existam 46 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza. De acordo com o Banco Mundial, enquadra-se neste perfil quem ganha menos de US$ 1,08 por dia. Em todo o mundo, nada menos de um bilhão de pessoas vive nestas condições, de acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), quase todas habitantes de países em desenvolvimento.
Nada mais razoável que o imposto seja criado, considerando-se a concentração de renda nas mãos de poucos e o extraordinário volume de dinheiro desperdiçado com o mercado financeiro – no Brasil e no mundo. Estima-se que somente o mercado financeiro movimente US$ 1,5 bilhão diariamente, inacreditáveis US$ 547,5 bilhões por ano em todo o pleneta. Dinheiro de origem especulativa, predatória, que não gera empregos, nem renda, nem desenvolvimento.
Não foi por outro motivo que o economista norte-americano James Tobin, Prêmio Nobel de Economia de 1972, propôs a criação de um imposto sobre as grandes fortunas. Para torná-lo viável, sugere-se que a taxa tenha alíquota de 0,05% sobre os grandes patrimônios privados. Mesmo com uma alíquota baixa como esta, a Taxa Tobin permitiria a arrecadação de cerca de US$ 100 bilhões por ano. Dinheiro suficiente para acabar com a fome e a miséria em todo o mundo.
O imposto sobre as grandes fortunas poderia ser, assim, a versão brasileira da Taxa Tobin. Nada mais coerente em se tratando do governo de um presidente que, durante toda a sua vida de sindicalista e dirigente partidário, defendeu a urgência da adoção de medidas destinadas a reduzir a miséria no Brasil. Lula possui, agora, boa parte dos instrumentos de que necessita para tornar esse sonho possível. Basta ter vontade política para iniciar esse processo. Porque apoio político institucional para executar essa medida, com certeza, o presidente tem de sobra.
Aurélio Munhoz
(politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR