Invadiram meu espaço aéreo

“Curitiba está grande demais. Não pára de crescer!”, reclamo no trânsito. Em seguida ouço soluços no banco de trás. Minha neta Gabriela, com 3 para 4 anos, está em pânico: “Não quero que Curitiba cresça, deixa ela assim. Se crescer, não acho mais minha casa, nem meu pai, nem minha mãe”. O pânico dela, na época, era real e eu passei 45 minutos (no caótico trânsito) tentando tranqüilizá-la. Agora que Gabriela está com 5 para 6 anos, e não está aqui para me ouvir, digo: “Curitiba está tão grande que até invadiram seu espaço aéreo”. Trata-se da passarela sobre a Rua Mateus Leme.

É a bonita, envidraçada e moderna passarela rolante do Shopping Mueller, inaugurada ontem, e que vai ligar o novo estacionamento aos futuros cinemas que ali ficarão prontos em janeiro. Pensando em Gabriela e sua aflição diante de uma cidade sem controle, indago ao prefeito: “Eu posso sair por aí construindo passarela aérea pela cidade, se eu quiser?”. Resposta tranqüila mas nem por isso tranqüilizadora: “Sim, se os vereadores deixarem”.

A Câmara Municipal e o Ippuc bem poderiam deixar eu construir uma passarela ligando minha casa e… ao… onde mesmo? Taí um bom exercício de imaginação e filosófico: se você pudesse construir uma cômoda passarela aérea encurtando caminho para algum ponto de Curitiba de sua predileção, qual seria?

Curitiba tem espaços físicos tão atraentes que valham a pena ter seu espaço aéreo invadido? Ou os lugares ficam atraentes por seu valor sentimental? Aí imagino namorados pelos ares, adolescentes criando passarelas domésticas para ir aos shoppings e pistas de skate… Imagino Helena Kolody saindo de seu estreito apartamento para passarelar pelos parques; imagino Dalton Trevisan em direção ao sebo mais perto; Lala Schneider indo ao teatro, a população domingueira dirigindo-se à Feirinha de Artesanato e a classe média a caminho do mais novo supermercado da cidade, enquanto Denise Stoklos busca ir a ti.

Enquanto caminho pela passarela, pensando nessas coisas, percebo uma utilidade bem mais prática: malhar. Sim, minha amiga, dá para fazer uma bela esteira na passarela do Mueller! Disfarça que dá.

Para quem gosta de bisbilhotar a intimidade dos outros, a passarela transparente também se presta. Dali se avistam janelas de casas e apartamentos, cujos moradores já providenciaram cortinas pesadas e vidros fumê. Esses, então, devem viver literalmente a metáfora da invasão aérea.

Ironias à parte, gostaria mesmo é de uma passarela rolante bem rápida ligando Curitiba à casa de Gabriela, que foi morar, com sua irmãzinha Ana Luiza, em outra cidade que nem no Paraná fica.

Adélia Maria Lopes

(almanaque@parana-online.com) é jornalista aqui da casa e editora do Almanaque.

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