Já se falou em intervenção federal no Rio de Janeiro por causa da escalada da violência. Reagiram a governadora Rosinha Garotinho e até o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Este, porque o seu Estado é o segundo em estatísticas de violência urbana, embora emparelhe, nessa fatídica corrida, com o Espírito Santo. E Mato Grosso, além de estados do Norte, que aparecem com alto grau de criminalidade organizada.
O tráfico de entorpecentes está por detrás de quase tudo, mas não de tudo, como querem fazer crer as autoridades. Existe um caldo de cultura que tem como base a miséria das favelas, a corrupção nos meios policiais mal preparados e mal remunerados e sua insuficiência para atender a tão numerosos núcleos de criminalidade vizinhos ou incrustados em setores urbanos onde vivem as populações de melhor poder aquisitivo.
Por trás de cada apartamento de alto luxo do Rio de Janeiro estão um morro e uma favela, onde há analfabetismo, desemprego, fome e o recurso do tráfico das drogas, que perde o seu sentido criminoso, para quem nele se envolve, para ganhar a condição de instrumento de sobrevivência.
É difícil dizer se a intervenção federal seria uma solução, tanto mais que a Polícia Federal não tem tantos homens como deveria ter. É menos numerosa que as polícias estaduais. E as Forças Armadas são vocacionadas para outras atividades, que não a policial. De outro lado, existe competição entre uma força e outra e a união, um objetivo desejável, não pode trazer consigo a diluição do poder de comando. Onde muita gente manda, ninguém obedece.
O crime organizado agora transformou sua atividade em verdadeira guerra urbana, não atacando só quadrilhas rivais, consumidores que são devedores de drogas ou em disputas por mercados. Hoje, lutam até sob a luz do sol contra as autoridades constituídas, inclusive a polícia, que tem por obrigação coibir sua atividade criminosa. A ousadia dos criminosos chega a ataques a delegacias, postos policiais, viaturas e até a palácios. O governo do Rio está fazendo o que lhe cabe. Se bem ou mal, é difícil dizer, pois não está instrumentado para tão difícil mister. Se faz o máximo, já merece senão aplausos, pelo menos condescendência.
Mais importante que discutir a conveniência ou não de uma intervenção federal é o poder público constituído ocupar espaços. E por ocupar espaços entenda-se transformar as favelas em bairros, com o mínimo de infra-estrutura: ruas, escolas, postos de saúde, delegacias, iluminação, água e esgotos, praças, locais para recreação das populações que ali vivem. Benefícios que sejam, senão próximos, pelo menos distantes do que é oferecido aos moradores dos bairros da Tijuca, Ipanema, Leblon e até Copacabana. Estes são afortunados, mas que já vivem o infortúnio da vizinhança com a pobreza das favelas que os cercam e que, com direito, não se conformam com a abissal diferença de padrão de vida.
Trata-se de um projeto de longo prazo e muito oneroso. Algo como o gigantesco Fome Zero, mas que merece ser planejado e iniciado, numa resposta da sociedade organizada ao crime organizado que ameaça destrui-la. Precisamos evitar que aqui se repita a guerra que se trava na Colômbia, tanto mais que entre nós ela começa como uma luta urbana, de mais difícil combate e maior nível de contágio.