Morreu hoje um dos 21 internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) feridos na rebelião de ontem (22) no Complexo Tatuapé, na zona leste de São Paulo. J.V.A., de 17 anos, que estava havia dois meses na instituição, caiu do telhado e chegou em coma ao hospital, segundo a fundação. Mas a morte no motim, que deixou ainda 34 funcionários feridos, ficou em segundo plano num dia de troca de acusações entre a Febem e entidades de defesa de direitos humanos.
A presidente da Febem, Berenice Maria Giannella, disse que é preciso investigar denúncias de funcionários de que a presidente da Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (Amar), Conceição Paganele teria, na sexta-feira (18), incitado adolescentes à fuga e à rebelião. Ela pode ser proibida de entrar na instituição. Conceição, por sua vez, promete processar a Febem.
O governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), também criticou a presidente da Amar em entrevista à Rádio CBN, de manhã. "Algumas dessas organizações não-governamentais trabalham permanentemente contra o governo. Não colaboram. Essa Conceição, esse Ariel (de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos), só fazem atrapalhar", disse.
À tarde, Alckmin afirmou que "esses episódios não foram de geração espontânea", referindo-se à rebelião. "Eles foram incitados, estimulados. Tem gente tentando desestabilizar a Febem e nós determinamos que a Febem investigue de forma exemplar estes que estão procurando prejudicar a instituição, criando rebelião, conflitos e colocando em risco a vida das pessoas e funcionários."
O governador afirmou que já cobrou do Ministério Público soluções alternativas à internação dos infratores. "Os menores infratores ficam mais tempo na Febem do que os criminosos adultos, na cadeia." O procurador-geral do Estado de São Paulo, Rodrigo Pinho, só vai falar amanhã (24) sobre o assunto.
Berenice visitou o complexo hoje (23) e voltou a ouvir de funcionários que Conceição os teria desrespeitado na frente dos internos. "Segundo eles, ela disse que adolescentes da Unidade 4 estavam oprimidos e seus colegas deveriam salvá-los." Berenice disse ainda que, na rebelião, internos das Unidades 19, 20 e 39 usaram um trator para invadir a 4. "Mas os garotos quiseram sair." No total 61 fugiram e 49 foram recapturados.
Diretor do sindicato dos funcionários da Febem, Fabiano Kaczorowsky, que trabalha na Unidade 16 do Tatuapé, disse que não ouviu nenhum comentário favorável à rebelião da parte de Conceição na sexta-feira. "Havia indícios de que algo ia acontecer antes disso. Na quinta (17) e na sexta-feira (18), a maior parte dos internos fez greve de fome. Querem procurar um responsável para a situação que é caótica há muito tempo."
Conceição disse, hoje (23), que a direção do complexo pediu a ela que falasse com os internos para que interrompessem a greve de fome. "Eles estavam protestando contra espancamentos nas Unidades 4 e 16. Falei que aquilo ia parar, pois a própria direção era contra, espancar é crime e lugar de torturador é na cadeia."
Conceição afirmou que ouviu do diretor do complexo, Nilson Gomes de Sena, na semana passada, que teria uma surpresa na terça-feira. Sena não foi autorizado a dar entrevista. Segundo a Assessoria de Imprensa da Febem, ele não se referia à rebelião, mas à entrada em vigor de medidas pedagógicas, esportivas e culturais.
Na avaliação da secretária-executiva da Comissão Teotônio Vilela, Maria Gorete Marques de Jesus, as críticas do governo são uma tentativa de desviar o foco do problema. "Eles atacam a dona Conceição porque não têm como negar que o Tatuapé está uma vergonha. Tanto que as denúncias de maus-tratos e tortura ocorridas ali vão ser submetidas à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)" disse. A OEA já determinou ao governo do Estado de São Paulo que garanta a integridade dos internos da Febem. O que não aconteceu, pelo menos na rebelião de ontem (22).
