Festival de Curitiba

Interatividade e tecnologia no espetáculo Numax Fagor Plus

Imagine um espetáculo teatral em que os espectadores são convidados a participar ativamente da peça. E mais que isso, serem os protagonistas da história, interagindo com a mediadora e com o cenário.

Pois essa é a proposta da peça Numax Fagor Plus, encenada ao lado do Teatro Paiol e que  conta a história de dois grupos de trabalhadores lutando por seus direitos.

Um em 1979 quando depois de dois anos em autogestão, trabalhadores de uma fábrica de eletrodomésticos, localizada em Barcelona, decidem pedir demissão. Exatos 32 anos depois, em 2013 a cooperativa Fagor fecha suas portas deixando seus funcionários na rua.

Os colaboradores da Fagor decidem reconstruir a história dos trabalhadores da Numax, produzindo uma espécie de documentário. “Imagino que a peça seja interessante. Penso que ela seja muito bem  elaborada, contemporânea” revelou a expectadora Marina Cintra, que é professora e veio de Brasília especialmente para assistir ao Festival.

O professor universitário Leandro Franklin, que  já assistiu diversas encenações do Festival, conta que tem duas expectativas com essa peça  e argumenta que pretende levar o que  vai assistir para dentro da sala de aula.

“Tenho duas expectativas. Uma por ser uma peça estrangeira, que pode trazer uma perspectiva diferente ao teatro brasileiro e outra por toda essa discussão  que está acontecendo na Europa com a questão do trabalho. Acho que será bem interessante. Sempre levo para os meus alunos as temáticas a partir do teatro”.

Ao se aproximarem da porta de entrada do Teatro Paiol, os espectadores eram informados que a peça aconteceria do lado de fora. Uma grande tenda branca foi colocada ao lado do teatro, para que as apresentações de Numax Fagor Plus  pudessem acontecer, já que como citado, a peça é bastante interativa, algo que dentro do teatro, seria difícil de acontecer por conta do seu espaço.

O produtor do Festival de Teatro, responsável pelas apresentações no Paiol, Thiago Inácio, comenta que a ideia de tirar o espetáculo do espaço habitual para fora do teatro  foi um acordo da organização do Festival de da própria companhia teatral.

“Esse acordo foi para que justamente o espetáculo acontecesse  da maneira que foi concebido, uma vez que no interior do teatro não teríamos o mesmo efeito que ele irá atingir na tenda, por ser muito tecnológico e interativo, com muitas surpresas”.

Logo na entrada da tenda, os espectadores se deparam com um cenário limpo, apenas contendo dois monitores de tv dispostos em pontos extremos da tenda, cadeiras e banquetas móveis, para a plateia se acomodar.

O espetáculo tem apenas uma única atriz, cuja característica é um colete amarelo com o nome de sua personagem. Ela é a mediadora de tudo que seria encenado a partir daquele momento. Por meio de uma espécie de controle remoto, a atriz lê as falas que vão aparecendo nos televisores. 

A surpresa e interação com a plateia começa quando no monitor aparece a fala da atriz questionando se as pessoas sentadas ao fundo a estavam ouvindo. No slide seguinte aparece escrito “espectador da última fileira responde: sim estamos te ouvindo”. Chamando assim o espectador que estivesse ocupando aquele lugar e sentisse a vontade, a interagir com a atriz. Mas isso foi apenas o começo.

A peça toda é desenrolada apenas com a atriz mediadora e todos os outros personagens da trama  seriam compostos pelos próprios espectadores. Ao longo das cenas, apareciam novos personagens e a plateia era convidada a interagir, não somente com a atriz, mas entre si, representando  os personagens não apenas com falas, mas também com ações, inclusive deslocando suas cadeiras e andando no meio do público. 

No começo,  parece que toda essa interação causou mesmo surpresa e até estranhamento, mas em seguida, os espectadores foram perdendo a vergonha e timidez e já encenavam seus papéis com m,ais confiança e segurança.

Tanto, que pouco antes do espetáculo terminar, duas espectadoras, que naquele momento, estavam interpretando, foram ordenadas pela tv a dançarem e a plateia acompanhou delirante com palmas a apresentação das mulheres.

A atriz Tatiana Bittar, que faz a moderadora do espetáculo, afirma que para ela foi um grande desafio participar de uma peça tão diferente como esta. “Para mim é uma nova surpresa a cada apresentação. Um desafio enorme, já que não ensaiamos nada antes”.

Tatiana conta que a cada dia o público é de um jeito e expressa reações diferentes no desenrolar da trama. “Ontem foi de um jeito, hoje foi de outro e isso que é bacana. Temos um espetáculo novo a cada dia”. Sobre a fama de fechado do curitibano, a atriz afirma que ficou com um friozinho na barriga a mais, com medo das pessoas não quererem participar.

“Ouvimos a fama sobre o curitibano, e ficamos com medo da interatividade não acontecer. Mas isso é um medo em todas as apresentações, em todas as cidades, não apenas de Curitiba, mas aqui já viemos preparados pra dar uma chamada mais forte ao público, para que participassem e no final deu tudo certo”, concluiu a atriz que segue junto com o espetáculo para São Paulo.

O diretor da peça Numax Fagor Plus, Roger Bernat, afirma que a ideia de fazer um espetáculo com tanta interação não é nova. “As ideias não surgem, as ideias se repetem. Da mesma maneira que tivemos a crise na Espanha, tivemos uma crise nos anos 70. E assim como as crises se repetem, também se repetem as ideias do tipo de espetáculo”.  

Sobre a interação do público com o enredo, o diretor afirma que “o público se vê envolto em um dilema. Tem que ajudar a produzir, a encenar, mas ao mesmo tempo fica com vergonha, tímido, então são duas forças internas lutando uma contra a outra. Se fica apenas observando ou se deixa de lado todos esses impedimentos e faz parte ativamente do espetáculo, fazendo algo. Essa é a ideia de que não há pessoas de fora, o público sempre está envolto, participando, seja interpretando papéis ou assistindo, mas sempre ativo”, concluiu.

O professor Sérgio Aguillar conta que escolheu a peça pelo tema, pelo momento vivido na Espanha e que gostou da ousadia e da novidade que a peça mostrou. “Achei muito legal o coletivismo, a participação do público, onde se tem uma quebra da parede do teatro, do espectador enquanto sujeito do processo. É algo inovador e muito interessante”, finalizou.