O STF e o STJ têm considerado a hipótese de inadmissibilidade dos recursos extraordinário e especial, devido à chamada “intempestividade por prematuridade”. De acordo com esse entendimento, sendo o recurso interposto anteriormente à publicação da decisão – intimação pela imprensa oficial – ou durante a pendência de julgamento de embargos de declaração, considerando não se ter iniciado o prazo para interposição do recurso, será ele intempestivo, devido à sua prematuridade.
A doutrina não têm partilhado desse entendimento, posicionando-se no sentido de que se trata apenas de mais um instrumento criado pelas cortes superiores a fim de diminuir o considerável volume de recursos.
Buscando legitimar esse instituto, os tribunais têm utilizado, principalmente, dois fundamentos: o primeiro fundamento é que o acórdão impugnado pelos embargos – considerando a pendência de julgamento dos embargos de declaração – não é decisão de última instância e, portanto, não se mostram presentes os requisitos contidos nos artigos 102, III e 105, III, da Constituição Federal; o segundo se encontra na Súmula 281 do STF, que discorre sobre a inadmissibilidade do recurso extraordinário enquanto existente, na Justiça de origem, recurso ordinário de decisão agrava.
As cortes entendem, ainda, que após o julgamento dos embargos declaratórios deve ser reiterado o recurso, sob pena de inadmissibilidade. Ainda, o recurso estaria prejudicado, devido à preclusão lógica e ao princípio da unicidade.
A tese da intempestividade por prematuridade, aplicada pelos tribunais, entretanto, é rejeitada por diversas justificativas legais. A primeira a ser aqui discutida, é que a exigência da reiteração ofende diversos princípios, tanto processuais quanto constitucionais, como a legalidade, celeridade processual, instrumentalidade das formas e o devido processo legal, uma vez que o ordenamento jurídico é taxativo na previsão de apenas duas hipóteses em que o recurso deverá ser reiterado, quais sejam os casos previstos nos artigos 523, §1.º, e 542, §3.º, do Código de Processo Civil. Ademais, como nos lembra Heitor Vitor Mendonça Sica, a omissão não deve implicar na preclusão lógica, pois a inércia na manifestação não demonstra ato incompatível com o desejo em recorrer(1).
A segunda justificativa é que, dependendo de como forem julgados os embargos declaratórios, será desnecessária a reiteração, até porque nem sempre os embargos declaratórios terão abrangência sobre os fundamentos do recurso. Assim, serão quatro as situações geradas pela interposição dos embargos – e em todas elas se mostra desnecessária a reiteração: o provimento dos embargos, que se desdobra na relação dos embargos com o recurso interposto ou não, e em sua rejeição.
Em caso de provimento de embargos que não possuem relação com as razões recursais, não carecerá de modificações o recurso, o que torna desnecessária sua reiteração. Relacionando-se totalmente os embargos com as razões recursais, em caso de provimento, não haverá interesse em recorrer, de modo que o recorrente deve apenas desistir do recurso. Providos os embargos apenas parcialmente, e possuindo estes relação com o recurso interposto, deve o recorrente apenas emendar o recurso anteriormente interposto, fazendo as modificações necessárias. E, por fim, rejeitados os embargos, será inútil a reiteração, uma vez que o interesse recursal permanece intacto.
A terceira justificativa repousa no fato de que a Súmula n.º 281 do STJ não se aplica aos embargos de declaração. Ainda hoje existem discussões acerca do caráter recursal dos embargos, e, não sendo considerados recurso, logicamente não será aplicada a referida súmula. Os embargos também são considerados, por parte da doutrina, recurso “sui generis” (2), principalmente devido à desnecessidade de sucumbência e modificação do julgado e facultatividade da interposição. Sendo os embargos facultativos, não se pode obrigar o recorrente, sempre que haja interesse em recorrer, a interpor embargos de declaração, mesmo que inexistente qualquer omissão, obscuridade ou contradição na decisão a ser recorrida, apenas para que o texto da Súmula 281 seja observado.
Isso faz da utilização da súmula, como fundamento para a intempestividade por prematuridade, incoerente, uma vez que, ao obrigar a interposição de embargos de declaração, desnecessariamente, fere o princípio da celeridade processual e acaba por criar mais um requisito de admissibilidade de recurso – qual seja a interposição obrigatória de embargos de declaração, mesmo que desnecessários. Como nos lembra Fredie Didier Jr., a jurisprudência não pode criar requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, pois se trata de tarefa exclusiva da Constituição Federal (3).
Assim, concluímos que a tese da intempestividade por prematuridade, além de ferir diversos princípios processuais e constitucionais, mostra-se incoerente, mesmo quando observados os fundamentos fornecidos pelas cortes superiores que – diga-se de passagem – de nada servem para justificar essa disfarçada técnica voltada à redução do número de recursos a serem julgados.
Notas:
(1) SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recurso intempestivo por prematuridade? Aspectos Polêmicos e Atuais do Recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 11. p. 133.
(2) MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil: Vol. 3. São Paulo: Saraiva. p. 116-117.
(3) DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 7.º ed. Vol. 3. Bahia: JusPodium, 2009. p. 262.
Viviane Lemes da Rosa é acadêmica do Curso de Direito do Unicuritiba.
Luiz Gustavo de Andrade é advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados. Mestre em Direito e Professor do Unicuritiba.