Atabalhoado desde o início, enrolado num programa Fome Zero cujo lançamento já foi por três vezes adiado, mas sequer sabe o número dos famintos, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva – também porque feito de humanos – está cheio de defeitos. Porém, ninguém pode negar-lhe a boa intenção de acertar e, principalmente no caso da Previdência Social, de endireitar o que está torto há muito tempo. Por isso, nesse debate em que se engalfinham, a puxar os demais, o ministro Ricardo Berzoini e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, não há alternativa à cidadania esclarecida senão sair em socorro do primeiro.

Berzoini fala no plural, pelo governo e em nome de fracos, oprimidos e remediados. Muitos deles sem direito a nada. Mello, mais como líder sindical de sua classe que como magistrado, sai em defesa de direitos adquiridos – funcionários privilegiados do Estado que não conseguem ter a sensibilidade de, pelo menos, ficar quietos e, em causa própria, evitar o bate-boca inútil: se não houver reforma no sistema da Previdência, o que já está falido desaparecerá de vez. E não haverá nem privilégios, nem expectativas de direito, nem direitos mínimos para ninguém. A revolução, pregada por Mello, então é esta?

Estamos todos carecas de saber neste Brasil de Deus que o principal problema nosso está numa conta que não fecha nunca: um ínfimo percentual de servidores, bem servidos, fabricam o rombo descomunal de R$ 53 bilhões por ano, enquanto um oceano de aposentados por ínfimo valor pressiona o salário mínimo cada vez mais para baixo para continuar recebendo pelo menos o mínimo possível. É como se houvesse no Brasil uma cidadania de segunda classe, ou terceira, ou quarta… tudo porque de há muito confunde-se direito adquirido com privilégio consolidado.

O ministro Berzoini propõe o que é lógico: um sistema único, igual para todos. A começar pelos militares e seguindo-se-lhes de perto os magistrados (logo, logo, virão as outras), as mesmas corporações que cavaram o fosso em que nos encontramos se organizam na defesa dos argumentos já conhecidos e desgastados – o principal, este de que é preciso respeitar as especificidades de cada um. Sim, de fato, chegou a vez de respeitar específicos seres humanos que, em território brasileiro, diz a Constituição pátria serem todos iguais perante a lei. Não vale aqui a igualdade prolatada à revelia de contribuintes e miseráveis com base no recolhimento efetuado – e há quem, como o presidente do Superior Tribunal do Trabalho, Francisco Fausto, advogue o recolhimento em dobro para em dobro receber depois – já que a soma do contracheque no serviço público sai, sempre, do mesmo e cansado Tesouro Nacional.

Vozes mais equilibradas que a do presidente do STF – infelizmente, essa é a constatação, o ministro Mello assumiu sua insensibilidade um pouco à revelia de seus pares – se levantam dentro do próprio Poder Judiciário para, não mais apenas defender os privilégios nos quais se agarram muitos, mas para buscar uma saída honrosa, com o estabelecimento de uma fase de transição. Um caminho que nos leve a um sistema mais justo que o atual. Afinal, até os mercados sabem – e o presidente do STF, assustado com a súbita elevação do dólar após seu desastrado pronunciamento, também não tem o poder de revogá-los – quanto este assunto pesa em nossas mazelas sociais.

continua após a publicidade

continua após a publicidade