Inquietudes

A alma de um jornalista não é uma alma comum. Comuns – e estou excluindo de pronto as almas penadas, que dessas não se aproveitam nem os berros – são as almas bruxuleantes, assemelhando-se muito à chama de uma vela, que faz apenas tremeluzir, mal equilibrando-se à ponta do pavio, perseguindo seu destino pouco significativo de destruir, ingratamente, o bastão de cera que a alimenta. A alma de um jornalista – de um bom jornalista, atento e centrado – é um diáfano e quase imperceptível ponto de luz, irriquieto e arteiro, que não sabe direito onde é o seu lugar, enquanto flutua de um pólo ao outro, na galáxia em que coabitam o cérebro, o coração e, sobretudo, a responsabilidade.

É nesse percorrer aparentemente vadio que se estabelece a matéria-prima, a argamasssa do bom jornalismo. Tudo porque, em meio ao aparente caos que se instala entre a mente e aquilo que a mente introjeta na consciência do profissional, é preciso saber dar liga e bom traço, nem que seja a pulso e à custa do próprio bem – estar, para oferecer ao leitor, ouvinte, espectador, o que ele mais procura e merece: equilíbrio e respeito.

É como montar um enorme quebra-cabeças, e é lícito pensar-se que não é fácil fraudar um quebra-cabeças, para em seguida exibí-lo, à perfeição, conforme o mostruário na tampa da embalagem, aos amigos que não viam a hora de ver aquela montoeira de pecinhas tomarem corpo e feição. E os leitores são os nossos amigos, mas como de velho e bom princípio sabido é, amigos, amigos…negócios à parte. Os fatos, o que interessa sãos os fatos, muito preferencialmente, como eles são, de frente e de perfil. Por dentro e por fora. Ouçam-se, portanto, todas as partes, como no Direito, porque. na ausência deste princípio basilar, quebra-se a credibilidade do jornalismo, quebra-se o quebra-cabeças e, de quebra, quebra-se a democracia.

Cometi esse devaneio vestibular que a todos deve ter aborrecido, mormente os coleguinhas da imprensa, por estar chegando um tanto atrasado ao repositório da minha lágrima de amargura, pela escapadela que o nosso querido Freitas Neto, sem perder o charme, acaba de dar, da festa com que celebramos a vida, nem sempre tão animada. E que às vezes se torna insuportavelmente chata, até, por causa de uma certa dona ceifadeira que, sem ser convidada, ocupa-se em peregrinar pelos salões das nossos sacudidos bailados, tirando-nos para dançar a melodia do silêncio eterno. João Dedeus Freitas Neto. O do jornalismo. Não o da medicina, da qual abdicou para correr, apaixonadamente, atrás, ao lado e até à frente do seu ponto de luz. Mas o João dos fatos que tinham frente e perfil, que eram inteiriços, cunhados e concretados com firme argamassa por dentro; verdadeiros e belos por fora, estofados que eram da mais fina e e resistente guarnição. O João da inquietude ética. O da loquaz persistência que assentou ao assoalho histórico do jornalismo paranaense, vistoso e bem armado, o quebra-cabeças que a todos nos desafia.

O João Dedeus.

De Deus.

Adeus, Freitas.

-x-x-x-

Tomei conhecimento, dias atrás, junto às páginas do nosso O Estado do Paraná por parte do Altíssimo, Arnoldo Anater, que todos sabemos ser um homem de usos e costumes irretocáveis, foi abordado por diligentes PMs, em virtude de, “subitamente atacado por uma incontinência urinária insuportável ” e em “rua deserta” – portanto à sorrelfa e sem provocar clamores públicos ou privados -haver deitado, diretamente da fonte, líquido urinário sobre um montículo de areia. O Arnoldo , bom advogado que também é, bem que soube, alí, na bucha, desembainhar, com sabedoria, os princípios doutrinários que regem o caso fortuito e a força maior, fazendo com que o arremedo de pendenga se tornasse matéria vencida, prescrita e decadente .É isso aí, Dr. Arnoldão. Liga não. Um dia estaremos lá em cima, ao lado do Freitas. E devidamente instalados na borda de uma lua crescente, esguicharemos duas (quem sabe três?) boas doses do não tão precioso líquido nas cabeças de todos aqueles que, tendo mais o que fazer, preferem ficar empatando e entisicando cidadãos pacatos e nada incomodatívos, assim como você.

Sidney Davidson dos Santos

é advogado, jornalista e sociólogo. Foi assistente jurídico da Federação Nacional dos Jornalistas e advogado do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo