A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula n.º 444 que consagrou o seguinte entendimento: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

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Há duas correntes sobre esse tema(1):

1. A primeira (inconstitucional e inconvencional) considera antecedente qualquer envolvimento do agente com algum inquérito ou ação penal; de acordo com essa primeira orientação processo em andamento configuraria maus antecedentes.

Isso é, claramente, inconstitucional. É fruto da incidência direta do poder punitivo estatal não depurado, não da aplicação do (verdadeiro) Direito penal. Poder punitivo paralelo ou subterrâneo.

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2. A segunda (constitucional) considera maus antecedentes apenas as condenações passadas da vida do agente, que constam da sua “folha corrida” e já não geram reincidência (uma mesma condenação não pode servir para aumentar a pena-base e, ao mesmo tempo, agravar a pena pela reincidência Súmula 241 do STJ: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”).

Sintetizando: condenações pretéritas, que vão além do lapso de cinco anos, contados da extinção da pena para trás. Essa segunda corrente é a adequada ao Estado constitucional e humanista de Direito (ECHD).

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Guilherme de Souza Nucci(2) tratando do significado e extensão da expressão maus antecedentes ensina que:
Há duas posições predominantes:

a) considera-se o que consta na folha de antecedentes do réu, sem qualquer distinção. (…)
b) antecedentes são apenas as condenações com trânsito em julgado que não são aptas a gerar reincidência. (…) Cremos acertada a segunda corrente para fim de fixação da pena, pois não se deve levar em conta inquéritos arquivados, processos com absolvição ou em andamento, entre outros fatores transitórios ou concluídos positivamente para o réu, como causa de majoração da reprimenda.

A consagração do entendimento consolidado na Súmula 444 é consequência de vários julgamentos realizados no STJ, respeitadores do princípio da presunção de inocência.

O tema foi discutido pela Quinta Turma no HC n.º 106.089(3). Do voto do relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, destacamos: “conforme orientação há muito firmada nesta Corte Superior, inquéritos policiais, ou mesmo ações penais em curso, não podem ser considerados como maus antecedentes ou má conduta social para exacerbar a pena-base”.

Vale citar ainda o REsp n. 730.352(4). Do voto da relatora transcrevemos: De fato, entendeu a Corte de origem, acerca do primeiro ponto, que os maus antecedentes a partir de processos em curso não poderiam prevalecer para aumentar a pena base.

Este o posicionamento desta Corte, que tem destacado que inquéritos e processos judiciais em curso não sejam tidos como maus antecedentes, assim também que não sirvam para valorar negativamente a conduta social ou a personalidade do agente, sendo preferível a fixação da pena-base no mínimo legal.

Entendemos que a decisão segundo a qual inquéritos policiais e ações penais em curso podem ser considerados como maus antecedentes para exacerbar a pena-base ofende o princípio da presunção de inocência (que alguns equivocadamente chamam de não culpabilidade). Acertada foi a edição da Súmula 444 do STJ.

Notas:

(1) GOMES, Luiz Flávio; GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito penal: parte geral. 2.ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 515.
(2) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito penal: parte geral: parte especial. 5.ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2009, p. 444-445.
(3) STJ, HC 106.089/MS, Quinta Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 3/11/2009, DJe 30/11/2009. A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do pedido e, nessa parte, concedeu parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
(4) STJ, REsp 730.352/RS, Sexta Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 29/09/2009, DJ 19/10/2009. A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe parcial provimento nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, diretor-presidente da Rede de Ensino LFG e co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Twitter, www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br.

Pesquisadora: Christiane de O. Parisi Infante.