Inimigo na trincheira

Fosse comigo, exigiria a imediata devolução do voto.

Chamaria o Procon, acionaria o Código de Defesa do Consumidor, na falta de um Código de Defesa do Eleitor, mas não deixaria passar em branco. Tive sorte com meus candidatos, os que foram eleitos permaneceram no mesmo partido. Mas tento imaginar a frustração daqueles que elegeram candidatos por uma proposta e de repente estão se vendo do outro lado da trincheira, defendendo o que era atacado e atacando o que defendiam.

Certo que boa parte do povo brasileiro vota no candidato, sem mesmo saber o partido ao qual pertence. Mas tem aquele eleitor consciente, que mantém compromissos com seus pontos de vista e defende-os acirradamente. Como estaria se sentindo um destes ao observar que o outrora candidato de oposição tornou-se, ainda antes de assumir, mais um do bloco da situação na Câmara Federal, engrossando a base de sustentação de um governo que talvez não se enquadrasse nos anseios daquele eleitor mais esclarecido?

Não seria assunto do Conar? Propaganda enganosa, claro. É bem provável que o voto tenha sido dado pelo que se ouviu em campanha, não pelos acertos ou interesses que geraram tamanha revoada de parlamentares ao ninho do governo. E a indignação seria a mesma se a situação fosse inversa, só que deputado pode ser tudo, menos maluco de abandonar o barco justamente quando as velas estão se enfunando.

Sei disso de fora e de dentro. Durante alguns anos fui assessor de imprensa da bancada do PMDB na Assembléia Legislativa. Peguei uma turma boa, Requião, Kirinus, Lauro Alcântara, Caíto, Pugliesi, Pessutti, Mário Pereira e por aí, pessoal combativo e com propostas claras e definidas. Tive acesso a algumas reuniões de liderança e uma delas, em especial, me marcou. Foi quando um deputado do outro lado apresentou-se como novo filiado ao partido. Justo ele, que no governo sempre rebatia com ênfase às críticas dos então oposicionistas e que tirava proveito da máquina administrativa para amealhar os votos necessários para mantê-lo na casa.

Estava ali, agora do mesmo lado e quando um dos novos companheiros perguntou a razão de mudança tão radical, foi direto, sem pudores: “sou governo, sou sempre governo”, parece aquilo de criança ao descobrir o futebol: “torço pra quem estiver ganhando”.

Que contribuição alguém assim pode trazer ao País, ao Estado? Coisas do Brasil, pois lá fora o mandato de qualquer parlamentar (para não nos estendermos ao executivo) pertence ao partido, não ao portador. No máximo poderiam oferecer a chance de mudança após cumpridos 2/3 ou de um período legislativo. Ainda assim, com restrições e mediante uma circunstância muito grave que justificasse a mudança. Mas desta forma, no primeiro dia, desconsiderar uma estrutura armada pelo partido e substituí-la por outra, em troca de possíveis interesses, é mesmo de se pensar de encontrar uma saída na justiça.

Primeiro pelo eleitor, escrachadamente enganado. Segundo, pelo próprio partido, que ofereceu a legenda, o espaço no horário político e não pôde usufruir de tal investimento. Seria item obrigatório na proposta de reforma política que há alguns anos ronda o Congresso Nacional sem qualquer possibilidade de entrar em pauta de discussões.

Por que será?

Luiz Augusto Xavier

(xavier@parana-online.com.br) é Editor de Esportes

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